#Mistérios |
A primeira vez que matei alguém Posted: 16 Sep 2016 02:11 PM PDT Tempo de leitura: 32 minutos Não foi uma só vez, é verdade. Mas a primeira vez que você mata uma pessoa, é como dizem, um passo no abismo. Uma vez que seu corpo despenca no abismo do qual já não há mais volta, não faz diferença uma morte, duas, três. No meu caso, três. Quer dizer, três até agora,mas ainda sou jovem, e ainda posso matar mais, até porque, ninguém eventualmente acreditaria num assassino que conta como faz seu truque. Isso é como a mágica. Um mágico pode até fazer um truque mostrando como ele faz, impressionando sua audiência ao ponto em que que se revela ser tudo parte de outro truque. É o truque dentro do truque. Sempre há um por trás, um mistério, um truque, uma saída. São eufemismos da era da mentira. Ninguém que fale “matei e foi assim, tintim, por tintim” é levado a sério. Pensarão ser conto, pensarão ser ARG, pensarão ser maluquice. Dirão que surtei, que estou fazendo piadas mórbidas. Ninguém acreditará realmente numa confissão óbvia, afinal aprendemos que o mundo pode ser tudo menos óbvio. Hollywood nos ensinou um respeito pelos assassinos, e impôs uma certa elegância aos que se tornam o “lobo do Homem”, elegância do qual um simples ceifador já não pode prescindir. Ninguém acredita, não importa o que você fale. Esse texto, absolutamente verdadeiro, é uma confissão. Eu matei mesmo o maluco. Só que eu sei que ninguém vai acreditar, o que é estranhamente divertido. Então aqui está o relato de como eu matei o primeiro dos três filhos da puta que já extirpei da face da Terra. Dar nomes seria inútil, uma vez que o estelionatário desgraçado tinha vários. Eu conheci como Adalberto. Era editor. Ele gostava de ficção cientifica e tinha uma pequena revista dedicada a isso. Se há uma verdade que posso evocar aqui é que nunca fui, efetivamente, com a cara dele. No entanto, dinheiro não tem cara e quando a gente precisa, – eu era recém casado – a gente apela, faz qualquer negócio. Recém casado sempre precisa de dinheiro. Então foi assim que comecei a vender desenhos para ele. Eu era ilustrador, e aos trancos e barrancos fiz as artes para suas revistas. Inicialmente tudo parecia bem, tudo estava tranquilo. Eu fazia as artes, o filho duma égua maldito aprovava ou reprovava. Na pratica, reprovou absolutamente todas, sem antes ficar dois minutos me elogiando para amaciar o ego. “Gente esperta”, sabe como é. Eu saquei na primeira arte que vendi a ele como ele operava. Enchia meu trabalho de elogios, e depois começava com sugestões, que logo se descambariam para exigências e depois criticas. Lá pela quinta imagem ao qual alterei tantas vezes que mudei completamente o briefing e depois segui alterando e alterando sem parar, até praticamente voltar ao que era a primeira versão apresentada, comecei a perder o saco com aquilo. Parecia esquizofrênico. Eu, por minha vez, que só pensava na porra do dinheiro para pagar a conta atrasada, ficava com aquele gosto ruim na boca de permanecer sem saber quantas alterações inúteis levaríamos fazendo ate finalmente eu receber meu pagamento. No inicio a estratégia do boi de piranha deu certo. Eu em paralelo comecei a buscar outros clientes de ilustração para finalmente me desvencilhar do Adalberto. Infelizmente não funcionou muito bem o meu plano. Como não aparecia nada, tentei me manter com a revista de Sci-fi nacional. Ela se chamava Fantastic 2000, e era uma versão 100% nacional da mais antiga revista de ficção científica brasileira, a Fantastic, dos anos 50. O problema todo começou realmente quando na hora de pagar ele não pagou. Inicialmente alegou problema no banco. Depois disse que estava “resolvendo”. Eu ligava pra São Paulo, pagando interurbano, a minha esposa enchendo a porra do saco, dizia “que eu virava noite trabalhando e não via um puto”, ficava indignada que eu estava gastando com ligação pra São Paulo, pra ser enganado…E ele seguiu me enganando. Às vezes, Adalberto me ligava, dizia que as pessoas comentavam da bela capa, das espaçonaves, que todo mundo era meu fã. Que leitores escreviam para sugerir artes e que os autores me queriam nas capas de seus livros. Da revista de sci-fi de periodicidade bizarra que nunca entendi se era mensal ou quinzenal, mas que durante um tempo, foi semestral, ele passou a encomendar umas capas de livros. Ema em sua maioria livros de bolso, ilustrados em tinta acrílica e eventualmente guache. Ele vivia insistindo para que eu imitasse o Frazetta e o Benício. Acabei ficando ate amigo do Benício, de tanto que copiei. Pedia muitas artes, cerca de quatro ou cinco para cada livro e delas escolhia uma, que eu iria refazer feito um escravo desgraçado até perder as forças e eventualmente ele, do nada, mudava para uma das outras imagens e foda-se. Detalhe que nem recebia as que ele não usava e muito menos a que usava. Era loteria saber se receberia ou não os poket books. Volta e meia, recebi apenas a metade do valor combinado, com desculpas de que estava “tentado liberar o dinheiro”, de que “pagou pensão à ex-mulher” e a grana acabou, ou que estava “esperando receber da distribuidora”, problemas de “encalhe”, frete, as eternas negociações com publicidade. Sempre mostrando uma cenourinha para o burrão aqui continuar. Quando eu ameaçava desistir, jogar a toalha, aparecia um dinheiro na minha conta. Caía e já era tragado pelo saldo devedor… No dia seguinte, ele me ligava, solícito, como quem espera um agradecimento sincero por ter recebido um pagamento atrasado quase trinta dias depois. Fui perdendo o saco com aquele cara. A relação que em um momento foi de amizade, azedou. Eis que uma ideia me ocorreu. Um dia, antes de enviar a arte que ele havia pedido, perguntei se ele podia me pagar antecipado. Adalberto ficou irado diante de tal insubordinação. Como assim pedir pagamento antecipado por um desenho, por “uma coisa que você faz de olhos fechados de tão fácil”? Eu disse que sem pagamento não faria e o lembrei de nossos “atrasados” que ele sempre esquecia e me pedia para enviar um email com o “cálculo”. Era uma manobra esperta para evitar a discussão. Lembrei também que o banco e a empresa de luz não queriam tão pouco saber da distribuidora e nem da agência de propaganda que não pagou a ele. Ema-ema-ema, meu chapa. Adalberto então percebendo que eu estava prestes a mandá-lo para a puta que pariu, mudou o tom. Entrou em um nível conciliador e disse que me pagaria metade e que era só eu mandar a imagem para ele ajustar o layout da capa da revista, enquanto isso ele conseguiria o resto da grana. Ele jurou que só precisava acertar o layout, que estava atrasado no cronograma e coisa e tal, que ia viajar… Que tinha uma grana para receber e toda aquela ladainha que um safado sabe dizer para tirar o amiguinho como otário. Imediatamente refletindo sobre aquilo, notei que a estratégia dele era pagar apenas a metade e me entubar mais um calote, para somar junto com os demais calotes dos desenhos atrasados, no buraco sem fundo que só aumentava, chamado “Dívida externa” lá em casa. Obviamente que não por eu ter mandado uma arte que lhe permitia fazer o “layout” mas não daria para publicar, e sim por eu ter sacado sua malandragem e ter dado uma sacaneada em cima. Em seguida, eu o lembrei do buraco sem fundo dos atrasados, e ele começou a me chamar de tudo que é nome, baixou o barraco e desceu do salto. Rodou a baiana, e não só me disse que não ia me pagar porque eu era “otário mesmo”, mas que “se um dia por ventura me encontrasse, me pagaria em ‘socos'”. Engoli em seco a ameaçazinha babaca e antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele bateu o telefone na minha cara. Existem duas coisas que você não pode fazer comigo. Uma delas é bater o telefone na minha cara. A outra não vem ao caso, mas diga-se de passagem que é a causa da segunda morte que levo nas costas. Meu ódio se resumiu a dar um soco na mesa, pensando principalmente nos atrasados que eu nunca mais veria e que eram uma boa grana. O tempo passou, e a coisa esfriou. Logo, vi a revista nas bancas com outro otário, digo, ilustrador trabalhando pra ele. Negativo. Não estava. O moleque disse que estava ate achando “estranho”, porque o banco havia feito uma confusão e travado a conta do Adalberto, e que depois ele também teve problemas com um anunciante, empresa de calças Jeans de São José dos Campos… Se tem um troço trágico na vida da gente, é ver um moleque bobo caindo no mesmo buraco em que você já caiu antes. E teimando em cair. Eu contei a ele. Já havia passado pela mesma conversa. Só que comigo a empresa era de turismo, o banco também tinha travado a conta dele… O Guto não acreditou. Não queria acreditar, e por mais que eu desse detalhes de toda minha via crucis na mão daquele ridículo, o Guto não aceitava. O Guto chegou a soltar, em sua absoluta inocência, que Adalberto o prevenira que eu ia atras dele tentando desmotivá-lo para voltar a ocupar o sagrado lugar na capa da revista. Disse que eu estaria desesperado pela minha perda de sucesso e que eu “puxaria o tapete” dele. Jogo bem jogado, é importante que se diga. Adalberto José era filho duma égua manca e leprosa, mas era acima de tudo, um espertão. E lá fomos nós. Me despedi cordialmente de Guto mesmo notando um ar de repulsa por parte dele. “Quer saber, que se foda Guto, Adalberto e aquela revista de merda” – Pensei. Toquei minha vida. Acabou que não foi difícil arrumar outro cliente porque dei sorte. Logo depois uma editora apareceu, e ela tinha muita demanda de capas de romances. Era pouco mas era no volume que eu ganhava e eles pagavam bem certinho. Jamais atrasaram. Assim, continuei meu caminho, esperando que Guto aprendesse a lição batendo cabeça sozinho. E foi assim, apenas por causa disso, que liguei pra lá tentando falar com ele e novamente para avisá-lo que eu ia mover uma ação para impedi-lo de usar meu material, que fui chamado de burro, de otário ouvi que nunca veria dinheiro e que ele faria o que quisesse com meus desenhos “incluindo enfiá-los no meu cu” , e que se eu quisesse era só ir lá para receber a divida em porradas, o que se seguiu de uma nova batida de telefone na cara. Reagi apenas com uma frase. “Se fodeu, gordão”. Ainda não havia, naquele tempo, o advento da rede social, o que tornava a nossa vida um pouco mais difícil. No entanto, nunca foi tão complicado assim de achar umas fotos do Adalberto em eventos nerds (os primórdios deles) de RPG e de quadrinhos, onde em dois deles, ele tinha tentado rachar um stand com um Fanzine onde até o famoso Groovies trabalhou. Achei fotos dele, marquei bem a cara do sujeito, e depois de algumas ligações quando minha esposa estava trabalhando, levantei direitinho o endereço da editora. Novidade: não era onde ele dizia ser. A revista tinha apenas uma caixa postal como endereço. Mas apurei que o verdadeiro endereço era em Osasco, numa rua cujo nome era tipo Tafarel (o famoso goleiro), uma coisa assim. Já me esqueci afinal, ja tem quase uns vinte anos isso. Claro que ate hoje ela nem sonha que eu matei o maluco. Em vez de comprar uma passagem aérea, comprei uma de ônibus. Eu precisava economizar. Com a grana que restou consegui alugar um 38 bem velho do porteiro do meu prédio, o seu João, um velho maluco que aliás, era uma temeridade aquele sujeito ter uma arma. 38 irregular, obviamente. Com o 38 carregado, embarquei no ônibus da madrugada rumo à Rodoviária do Tietê. Chegando em São Paulo, coloquei meu portfólio gigantesco e trambolhudo num guarda-volumes e em vez da Editora Abril, parti para Osasco. Antes de sair da rodoviária, realizei uma parte do meu plano. Comprei uma calcinha de renda cor de rosa. Tamanho GG. Também comprei umas bijuterias, e uma camiseta. A moça colocou tudo num saco plástico que meti na mochila. Fiquei ali de campana, por algumas horas e eis que vi chegar um puta dum carrão importado e descer… Ele mesmo. O pulha do Adalberto José. Desceu da caminhonete enorme, reluzente, (o que me deu um ódio extra por saber que nela estava também um pouco do dinheiro que ele me devia) sacou um bolo enorme de chaves do bolso e abriu o portãozinho. Ele entrou, subiu as escadas e fechou o portão metálico atras de si. Fiquei ali do bar vendo o movimento. Comprei uma coca cola litro. Bebi tudo. Também comprei duas garrafonas de água litro. Meti as duas na mochila. Já era de tarde, quase umas seis horas quando a papelaria “Três meninas” começou a fechar. Essa papelaria ficava numa esquina bem debaixo do sobrado da editora. Em contraste, o bar estava ficando mais e mais cheio de pinguços. Aliás, o lugar era cheio de sindicatos para todo lado, o que garantiu um bom suprimento de cachaceiros na região. Saí do bar e andei para o lado, parando diante dum daqueles sindicatos e esperei. Logo, notei que a porta se abriu, ele saiu carregando uma caixa media, de papelão. Parecia pesada. Calculei que devia ser o encalhe da revista ou parte dele. Adalberto levou a caixa até a caminhonete, tirou a cobertura da caçamba e colocou a pesada caixa la dentro. Percebi que era a minha chance. Ele se virou. Pensei em sacar a arma e dar um tiro nele pelas costas, mas tive medo porque o bar tava cheio, embora a rua estivesse semi-deserta. Vi que ele fechou a lona, voltou para o sobrado mexendo nas chaves. Era a chance. Peguei a arma, pronto para acertar o balaço na fuça do filho da puta assim que ele descobrisse a caçamba para pegar a caixa, mas isso não aconteceu. Ouvi passos ecoando. Era ele indo embora. Lentamente, tirei a lona de corino e olhei ao redor. Era um tipo de estacionamento. Uma parte parecia estar em obras. Talvez fosse a casa dele. Não sei. Vi o Adalberto pegando umas ferramentas. Ele assoviava uma melodia tranquilamente. Fiquei em pé na caçamba com a arma em punho. Apontada para o filho da puta. -Quê? Quê?…. Ele gemeu, sacudindo com as mãos pra cima. Tentou dizer que ia pagar… Mandei tomar no cu. Agora não tinha mais volta. O ódio em mi havia aflorado de forma irremediável. Era a primavera do caos no meu espírito. Ele não disse nada. Ficou parado de olhos baixos. Como uma criança travessa sendo repreendida pelo pai. Então eu desci da caçamba da caminhonete. Apontei a arma e mandei ele entrar no carro. Ele obedeceu, serio como um robô. Fui ate a parede, peguei o facão e joguei na caçamba. Durante todo o percurso ele nada disse. Agia conforme eu mandava, porque ele sabia que eu não estava brincando quando saí do conforto da rua Joaquim Távora em Icaraí, para a puta que pariu de Osasco afim de dar fim a uma barata na forma de gente que era melhor nem ter nascido. Ele dirigiu normalmente, o radio estava ligado falando notícias. Eu com a arma apontada para o bucho dele. Ele ficou de cueca. Mandei tirar a cueca. Ele tirou. Estava tremendo. Fazia um frio do caralho e o sereno castigava. Eu já estava ficando ensopado. Ele ameaçou querer correr e eu fiz que ia atirar. Ele estancou no ato. Percebi claramente que ele estava na esperança de ser só um susto. Uma “cobrança” mais exagerada. Ele realmente, no fundo no fundo, acreditava que ia sair daquela vivo. – Morre! Foi assim que eu estourei a primeira cabeça da minha vida. Headshot! Sem música, sem comemoração, sem nada. Só aquele estalo seco como uma bombinha de festa junina, que ecoou no barranco e me deu um susto, mas era mesmo igual uma bombinha, só que mais potente. Estourei a cabeça do filho da puta num pipoco só, à queima roupa. Era o terceiro tiro que eu dava na vida. Um dia eu conto os outros dois. Foi lá na casa do Pedro Steele, um amigo meu da juventude. Mas tiro, tiro mesmo, em gente, era o primeirão e foi logo o famoso headshot. Esperei ali. O corpão pendente dos dois lados da mureta da ponte. Caso esteja curioso, não veio ABSOLUTAMENTE NENHUM remorso. Não senti merda nenhuma. Nada. Só uma especia bizarra de alivio. “Menos um filho da puta no mundo”. Em seguida, fui ate o carro onde peguei o facão. O facão era importante no projeto. Mas só me dei conta de sua real importância bem depois. Depois eu ia cortar a cabeça, mas olha que merda… Eu vi uma luz na estrada. Era um caminhão que estava vindo. Assim, larguei aquela merda toda ali mesmo na ponte e corri esbaforido para o matagal. Esperei passar o caminhão, que passou feito uma bala. Felizmente ele não viu porra nenhuma, ao que parece. Passou batido. Precise dar três porradões com o facão do Jason, pra arrancar a cabeça. A mureta ficou toda cagada de sangue. O cara escorria feito um porcão no matadouro. Peguei a cabeça pelos cabelos. Era curiosamente pesada. Olhei aquela face desfigurada (porque eu errei um dos porradões com o facão e acertei bem na fuça dele) puxei uma cusparada na cara dele. Pela dívida, sabe como é. Agora eu era um assassino e isso era até um pouco empolgante. Voltei com o saco contendo as mãos e a cabeça do Adalberto para o carro. Amarrei com cuidado e vi, na luz interna, se estava vazando. Não estava. Na mochila peguei as garrafas de água e voltei ate a mureta. Joguei água pra dar uma lavada na sanguinolência. Me livrei das garrafas no “rio”. Recolhi as roupas, o relógio e a carteira. Joguei tudo na caminhonete. Saí com o carro dele. Agora o passo seguinte era dar fim ao carro. Joguei a grana na mochila, e achei também uma garrafa com thinner. Ela estava cheia, talvez fosse para a obra, sei lá. Taquei thinner no carro todo. Cheguei a ficar tonto com o cheiro. Porra como fede aquilo. Limpei a direção com ele, encharquei os bancos, o painel, e depois, com muito cuidado, já com meio corpo para fora do carro, ( o freio de mão impedindo que descesse o morro), usei o isqueiro da caminhonete pra tacar fogo num papelzinho. Quando eu soltei o freio de mão, o carro começou seu lento deslizar para frente. Joguei o papel fumegante no banco. E vi formar uma imensa duma bola de fogo que acelerou ladeira abaixo até adentrar um matagal fechado. Pesadão, ele entrou como uma locomotiva inflamada pelo matagal adentro, e bateu la em baixo. Fiquei uns minutos vendo o fogo consumir o carro, depois o matagal e só então começar a pegar na árvore. Fomos no caminhão até o posto. Ali eu desci e ele seguiu viagem. Eu tomei café. Comi um misto quente com coca-cola. Naquele tempo eu tomava Coca-cola pra caramba. No posto de gasolina me livrei discretamente da carteira e dos documentos na lixeira, e com um orelhão eu consegui pedir um táxi, (que me cobrou os olhos da cara) pra me levar ate São Paulo. Mas era o tudo ou nada. De táxi eu fui até a rodoviária. Peguei meu portfólio no guarda volumes e entrei no primeiro ônibus para voltar pra casa. No caminho um puta dum susto. Na marginal, um carro de polícia parou o ônibus e um PM entrou. Ele foi olhando um a um. Eu me cagando dele mandar abrir a mochila, já que tinha um puta dum tresoitão ali. Ele olhou um a um. Suando frio, olhei bem dentro da cara do PM. E eles desceram. Agradeceram o motorista e seguimos viagem para o Rio. O cagaço dos PMs dentro do ônibus foi tão foda que só em Resende eu comecei a sentir que tudo daria certo. Provavelmente eles deviam estar procurando muambeiros, sei lá. Desci na Rodoviária de Niterói. Fui direto pra casa de táxi, para evitar riscos. Ali entreguei a arma ao seu João, embrulhada numa camisa. -Ah garoto! – Ele riu. Pegou rapidamente o bolinho e o relógio durado, tão cafona que parecia ser do Chacrinha, e enfiou dentro do uniforme. Voltei pra casa como se nada tivesse acontecido. Tomei um banho, sentei, desenhei um pouco, tirei um cochilo. Minha esposa chegou e quis saber como fora na Editora Abril. Inventei meia duzia de lorotas, disse que a reunião tinha sido boa, que eu também tinha ido na National Geographic… Mas que não tinha nada fechado, que iam me ligar. Ela entubou. Foi assim que eu matei o primeiro dos três filhos da puta na minha vida. Quando eu puder eu conto os outros casos. Dizem que depois que você “perde o cabaço do gatilho” começa a matar direto. Posso dizer que isso faz um certo sentido… NUNCA DEVA PARA O ILUSTRADOR
O post A primeira vez que matei alguém foi criado no blog Mundo Gump. |
Posted: 16 Sep 2016 08:22 AM PDT Tempo de leitura: 6 minutos Quando dona Selminha abriu a porta do meu apartamento, ela deu um grito com o susto que levou. Ali estava eu, no escuro, sentado na cabeceira da mesa segurando uma caneca contendo um resto de chá que já estava frio. Eu olhava para a parede, perdido em pensamentos e conjecturas. Ouvi quando ela enfiou a chave na porta, com grande cuidado. Sem duvida era a primeira das faxineiras a chegar no prédio, porque nosso horário sempre foi meio maluco. Ela chegava quinze pras cinco da manhã, ainda com tudo escuro, porque tinha que faxinar a casa toda e saía dali direto para outro trabalho, de merendeira numa creche às onze da manhã. Selma tinha uma vida dura, apesar de jamais ter reclamado dela comigo. Ela poucas vezes me pegou acordado quando chegava. -Cruz credo! – Disse Selma se benzendo freneticamente. Pedi desculpas. Expliquei pra Selma que não fiz por mal. Aquela tinha sido uma noite horrível. Senti calor, depois frio, depois rolava de um lado para outro na cama sem conseguir pregar o olho. Sempre que engrenava achando que ia finalmente apagar, me vinha à mente o som daquela voz no telefone. Foi assim também na infância, quando o velho me chamou na sala do coordenador, eu senti uma coisa ruim, uma coisa indescritivelmente ruim, amarga, metálica, fria penetrar o meu coração. A maioria dos meus amigos sentiu aquilo. Cada um teve uma reação, e pelo que percebi, aquele homem velho não falou a mesma coisa para todo mundo. Pelo contrario. Ele disse a cada qual dos garotos da quarta B justamente aquilo que eles mais temiam ouvir. Então, vendo que não ia dar em nada ficar deitado na cama, fui ate a cozinha, fiz uma caneca de chá e sentei-me na sala. Ouvi mais de dez vezes a mensagem tenebrosa na minha secretária eletrônica. Cada vez notava uma dimensão diferente naquela voz. Era ele sem sombra de duvida. Aquele homem quando falava dava uma coisa na gente. Uma coisa ruim. E eu senti, e senti novamente, seguidas vezes, cada vez que meu dedo alcançava o PLAY. Eu não sabia explicar. Nunca soube. E de uma certa forma era justamente essa incompreensão do que se passava que me alimentava, me dava combustível para seguir em frente e saber o que de fato aconteceu naquele fatídico dia na quarta B do Santa Edwiges. Selminha passado o susto, retomou seus afazeres, acendeu a casa toda (ela tinha medo de escuro e de aranhas) e começou a mover as cadeiras da sala para tirar o tapete peludo. Saí de onde eu estava e fui para o escritório. Ali, desdobrei com cuidado a lista de nomes. Durante as horas que fiquei planejando o que fazer ao lado da secretária eletrônica, somente uma ideia me ocorreu. E essa ideia era um simples frase sintetizada em: “estou sendo vigado nessa merda”. Se o meu email para o Marcos Paulo não havia sido respondido por ele, mas sim por alguém se passando por ele, e se minha incursão até o interior havia irritado o homem velho ao ponto de me ameaçar na secretária eletrônica, estava claro que aquilo que antes era tão fundamentalmente importante para mim que é minha privacidade, agora não passava de um pálido delírio. Talvez essa privacidade nunca existiu. Talvez eu – e não só eu, como todos nós da quarta B – sempre fomos vigiados. Mas como? Por que razão alguém se daria ao tamanho trabalho de monitorar vinte pessoas para preservar um segredo do qual quase ninguém se lembra mais e mesmo quando lembra, prefere pensar em outro assunto? Olhei a lista. Nome a nome. Alguns nomes eu não lembrava bem. Principalmente das meninas. O problema é que na quarta série, quase todo mundo tinha apelido. Eu não tinha, mas todos me chamavam de Markun por causa do sobrenome. Só um ou outro, e eventualmente professores novos me chamavam de Guilherme. O resto era Markun, Markun… Eu lembro do Sapulha, do Tizil, mas como saber ao certo qual daqueles caras ali era o Sapulha e qual era o Tizil? Dos que eu me lembrava, eu escrevi a lápis ao lado do nome, o apelido. Então, enquanto escrevia no papel, uma ideia me acometeu: Se o velho já era velho quando eu estava na quarta série, como que esse cara ainda está vivo hoje? Será que ele era só um homem bem acabado? Muitas vezes a vida deixa marcas profundas na gente. Certa vez fiz um artigo sobre trabalhadores do campo. Na oportunidade, conheci um tal de seu Marcolino, que colhia laranjas e café. Eu passei um mês pensando que ele tinha uns sessenta e cinco anos, até que um dia, diante de um copinho de conhaque ele me disse que tinha trinta e oito! Trinta e oito, com carinha de quase setenta! Tudo bem que a falta de dentes contribuía para seu Marcolino parecer decrépito, mas o homem velho que apareceu na escola, sentou-se na minha frente. Olhei na profunda escuridão de seus olhos, pareciam dois abismos, emoldurados por rugas profundas. A pele mole, flácida, quase transparente não mentiria pra mim. Ali estava um homem beirando os setenta anos senão mais. Como seria possível que ele ainda estivesse vivo, e mais, na ativa, hoje em dia? Andei de um lado para o outro no escritório. O dia amanhecia com o sol pálido infiltrando na janela. Coloquei um disco de coletânea do A-ha. Estava tocando “I´ve Been Loosing You”. Eu gostava do A-ha. Boa banda. Um som mais animado parecia perfeito para abrir os trabalhos do dia. O telefone tocou. Fiquei parado olhando o aparelho. Tocou algumas vezes. Pensei em pegar, mas a sensação de que poderia ser o velho me impediu. Vi o aparelho tocando, tocando. A secretária ia atender. Era um exercício de controle da ansiedade. O telefone tocando, se esguelando ali e eu apenas olhando para ele… A secretária eletrônica ia entrar mas então, a ligação parou. Do nada, o aparelho não tocou mais. Senti um certo alivio, um alívio que durou pouco, já que logo depois, ouvi a voz da Selmiminha me gritar: “Seu Gilhermeeeeeee…” Ela tinha atendido na extensão da sala. Levantei da poltrona do escritório num pulo. -É para o senhor. Um tal de “fininho”. – Ela disse, com os olhos esbugalhados de sempre. -Fininho? – Perguntei pegando o aparelho das mãos molhadas da Selminha. -Fala Markun! Beleza cara? -Fininho? -Tudo bom meu amigo? E aí? Fez boa viagem? -Opa. Fiz sim. -Então, Markun… Eu… Eu… – Fininho ficou mudo. Imediatamente notei algo de estranho em sua voz. -Que foi cara? -… -Ele não respondeu. Apenas estava exitante, parecia ter dificuldade em escolher as palavras. -Nada… – Ele disse. Só o modo como fininho falou eu sabia que o “nada” queria dizer tudo. Então ficamos uns segundos em silêncio no telefone… Quebrei a mudez quando eu resolvi fazer uma pergunta cuja resposta eu parecia já poder antecipar: -Ele te ligou? Fininho não respondeu. Apenas desligou o telefone na minha cara. CONTINUA
O post A busca pelo Raiden foi criado no blog Mundo Gump. |
You are subscribed to email updates from Mundo Gump. To stop receiving these emails, you may unsubscribe now. | Email delivery powered by Google |
Google Inc., 1600 Amphitheatre Parkway, Mountain View, CA 94043, United States |