#Mistérios |
Posted: 05 Jul 2016 06:41 AM PDT Tempo de leitura: 12 minutos Um amigo meu com fortes inclinações políticas à esquerda, fez um texto falando em como ele não acredita na meritocracia, uma vez que ele vê pessoas com grande inclinação à direita pondo a culpa em pessoas que vivem na miséria por sua falta de proatividade, ou seja, justificando a desgraça pela meritocracia. Mais ou menos como a pessoa que criou estas imagens: É um fenômeno cíclico em qualquer língua, que certos termos entrem “na moda”, se tornem jargões e isso pode perdurar décadas, principalmente quando revestidos de uma forte dose de ideologia. Pessoalmente? Eu acredito absolutamente na meritocracia. Só que, e aí é importante fazer essa ressalva, não sou idiota de achar que meritocracia resolve os problemas do mundo. Vejo meritocracia quase que como uma lei de causa e efeito, mas não como uma receita de bolo, como muitos esperam que seja. Se fosse, seria fácil. Basta se esforçar para dar certo na vida. Se não deu é porque você não se esforçou, mais ou menos como o sistema de crenças da teologia da prosperidade prega: Creia firmemente, e pague mais em dízimos e contribuições “para Deus” e você fica rico. Não ficou? Então é você que tem pouca fé ou não deu o suficiente. ![]() É uma ideia completamente idiota, mas é incrível como ela atrai pessoas que caem nisso como moscas no doce. A meritocracia hoje é o foco de debates acalorados entre pessoas com toda sorte de inclinações políticas. Quase sempre, saltando para os exemplos mais contrastados para justificar seu ponto. Do homem que comia lixo e hoje é milionário ao menino enfiado numa poça de chorume da foto acima. Afinal, onde está a verdade? A meritocracia existe, e não existe separada da desigualdade, da lazarenta condição humana, da injustiça. Este é o problema, se analisarmos a meritocracia por si só, veremos que ela se justifica, mas não funciona como elemento comparativo entre realidades. Por exemplo, uma pessoa que nasce no famoso berço de ouro, tipo: Obtém com grande facilidade todos (ou quase todos) os sinais de que é uma pessoa realizada. Casa de luxo, iate, carrões, roupas caras, pode comer e beber o que quiser, não sabe o que é se preocupar com contas a pagar, uma vida de prazeres e diversões, numa espiral de desejos infinitos, sempre realizada. Outras, ralam a vida inteira para comprar um aparamentosinho quarto e sala tão pequeno que para toar banho só de porta aberta, porque ela mal cabe no banheiro. Quem ralou mais e quem se deu melhor? Quem já nasce em berço esplêndido ou quem se fodeu a vida inteira, acordando cedo, trabalhando feito um puto, ouvindo desaforo, engolindo sapo, enfrentando burocracias, planos econômicos desgracentos, má gestão governamental e aquele pacote completo que vem à reboque no sócio folgado permanente que todo brasileiro sabe como é. Como podemos colocar em perspectiva duas realidades diferentes com base na meritocracia? Isso é impossível de se fazer a menos que você anule os fatores de injustiça e desigualdade social de uma equação. Igualdade é utopiaA igualdade é completamente utópica desde sempre. Começa pelo básico, onde de cara se considera que duas ou mais pessoas são iguais e podem concorrer em condições idênticas de temperatura e pressão. Não podem. Não existem duas pessoas iguais. Só aí a igualdade já se mostra falha, que dirá num universo pautado pela livre iniciativa e com fatores heterodoxos atuando nos mais variados graus. No entanto, mesmo que a igualdade seja uma utopia, é justo e aceitável que nos oponhamos contra isso, e trabalhemos duro para tentar mitigar ao máximo a desigualdade. É plenamente possível, e até desejável que as sociedades se tornem cada vez menos desiguais, mas sempre precisamos ter a bússola norteadora da realidade que nos mostra que JAMAIS, em tempo algum, neste planeta houve Igualdade. Jamais! Never! Nunca! Jamé! No mundo, a História nos mostra que existiram épocas em que muita gente esteve igualmente fodida, isso sim, mas sempre vai ter um ali que estará numa condição melhor. Quer um exemplo? Cuba: ![]() Auto-comparaçãoMuitas pessoas incorrem no erro de buscar a reflexão sobre a meritocracia com base apenas na comparação. Por exemplo, dois médicos vizinhos. Um compra uma lancha. O outro entra em depressão porque não pode comprar aquela lancha igual, e por isso sente-se um ser humano pior que o amigo de mesma profissão que obtém e ostenta um sinal social de status. O médico sem lancha pode pensar nisso como um mundo injusto onde meritocracia não existe, já que ele passa madrugadas atendendo crianças melequentas num posto de urgência e mal consegue pagar o condomínio, enquanto seu amigo cirurgião plástico das moças da novela está aparentemente cheio da nota. Nesse caso, o medico sem lancha incorre no erro de se comparar com outro acreditando que estão em condições iguais quando não estão e nunca estiveram. A necessidade de pertencer à aquela classe social AA+, pode ser um motor que faça repensar suas escolhas e buscar maneiras de ganhar mais. Mas pode ser também um fator de desmotivação e inveja do sucesso alheio. O mundo é uma merda. Entube isso! Meritocracia e arteExistem campos, em que rolam situações mais meritocráticas do que outras, é verdade. Por exemplo, no esporte. Só um ganha, logo, podemos supor que quem se esforçou mais, leva. O que não é exatamente a realidade dos fatos. Novamente entra aí a fuga pela fantasia, uma vez que, por exemplo, fatores diversos extrínsecos podem contribuir para um atleta se esforçar pra caralho e não ganhar. Exemplos? Salto ornamental. O cara pula, o vento muda, atrapalhando o mergulho ele tira uma nota menor apesar de ter sido na bateria o que mais treinou. Outro exemplo, mundial de Surfe. O cara esta em condições preparado, ele sabe, ele é foda. Ele entra na onda, o vento muda, a onda caga o desempenho dele. Ele se ferra. O cara vira presidente, prepara uma melhoria para o país, faz planos tem apoio do senado, congresso, do povo… Aí vem uma crise internacional, somem investimentos, a economia regride, tudo começa a dar merda… Isso nos mostra que apesar de podermos reconhecer o mérito do cara que jogou sua vida no ultra-hard, e que de catador de lixo se tornou presidente de empresa dando condições a outros que ele jamais teve, é preciso uma certa lucidez para reconhecer que pontos fora da curva não são a regra e sim a exceção. No entanto, quando vemos um bom violonista fazer coisas que aprecem milagre naquele instrumento… Dom é a puta que te pariu!Só podemos reconhecer aí uma puta duma meritocracia, porque só quem já tentou aprender um instrumento sabe a VIA CRUCIS do caralho que é. Eu sei, apesar de não tocar praticamente nada, morei em cima de uma professora de piano naquele apartamento mal assombrado… E que merda, meu. Arte é esforço. Arte é a busca permanente pela superação, pelo alto padrão. Novamente, precisamos reconhecer que dado o mundo atual, a lei da injustiça e desigualdade também opera no universo da arte. Um cara pinta uma tela de azul e vende por milhões para alguém que acredita que aquilo tenha valor subjetivo ou (o que é muito mais provável) esta especulando financeiramente com a arte, já que nesse campo quase ninguém sabe merda alguma mas todo mundo finge saber, então rolam essas distorções também. Mas ainda assim, o verdadeiro artista não está nessa somente pela grana. Ele esta numa permanente busca de auto-superação. Mesmo caras odiados como Romero Britto, um sujeito que nasceu pobre e hoje é milionário, o que muitos poderiam dizer ser um belo caso de meritocracia in natura, está em busca de auto-superação. Apesar das criticas dizerem que ele só faz a mesma coisa, deve ser extremamente difícil ficar rico fazendo apenas a mesma coisa, e nisso eu reconheço muito o mérito desse cara. Eu JAMAIS conseguiria fazer isso. Um outro exemplo de pura meritocracia? Fisiculturistas. ![]() Qualquer um consegue? Lógico que não. Mas isso não quer dizer que não possamos reconhecer o esforço empregado nesse sonho, o foco e a determinação de chegar ao objetivo. A injustiça e a desigualdade sempre existirão. O problema da meritocracia é que muita gente entubou a ideia como se isso fosse o Santo Graal, que trará redenção a todas as almas errantes do orbe terrestre. Não vai rolar, meufí! Vejo um problema complexo essa ideia da meritocracia aplicada nas escolas. Se por um lado é justo que se premie o aluno que se esforçou e chegou lá, há um aspecto fundamental que é pouco questionado: Qual é mesmo a função da escola? Preparar? A escola parte em sua gênese na noção de que “é preciso preparar as crianças para o mundo em permanente transformação” e mais aquele monte de coisa bonita que a gente leu no planfletinho. Com alunos diferentes, processos industriais sempre serão falhos, mas mesmo assim é possível fazer o melhor que dá considerando a máxima de que o ótimo é inimigo do bom. Alguns se destacam, a boleira se aglomera na media e um ou outro se fodem até que saem da escola acreditando que são incapazes e levarão sua cruz pelo resto da vida. As escolas que se pautam apenas na meritocracia produzem uma corrida pelo resultado e isso em parte tem suas vantagens, mas por outro lado produz a trágica distorção que é a escola ir limando pouco a pouco os alunos que não se enquadram no molde dela de sucesso, para depois poder fazer a propaganda dizendo que é a que dá melhor resultado. Decantando e expurgando os mais indesejáveis que revelariam a incapacidade da escola de formar aquelas pessoas que são curiosamente os que mais precisam, cria-se a artificial ideia de uma “escola de excelência”. Pais incautos e com bolsos recheados caem nisso como os idiotas que vão atras da teologia da prosperidade. Se seu filho entra e não vai bem, é porque ele que não conseguiu acompanhar. “Desculpe, seu filho não está no nível da nossa escola”. Assim, muitas escolas ditas meritocráticas não estão ali para ensinar. Estão para filtrar apenas os que já se virariam bem sem ela, e no processo, encher a burra de dinheiro, fazendo marketing em proveito próprio em cima dos alunos que se destacam por seus méritos. Há muitas faces na meritocracia, além dos simplórios contrastes. Acredite no que quiser, até na teologia da prosperidade, mas saiba que se você tirar da equação o princípio da permanente desigualdade e os elementos extrínsecos que contribuem para sucesso e fracasso, sua percepção de mundo nunca será inteiramente honesta.
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