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segunda-feira, 6 de junho de 2016

#Conspiração

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Sob Temer, Fátima Pelaes dá viés policial a políticas para mulheres

Posted: 04 Jun 2016 04:55 PM PDT

A urgência de combater a violência contra as mulheres voltou ao centro do debate com a repercussão do estupro coletivo sofrido por uma adolescente no Rio de Janeiro. Diante da estatística de que uma mulher é violentada a cada 11 minutos no Brasil, fica ainda mais evidente a necessidade de boa articulação política da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do governo federal.

Na contramão desse raciocício, o governo do presidente interino Michel Temer (PMDB) tirou o status de ministério da pasta, agora subordinada ao Ministério da Justiça e da Cidadania.

A escolhida para comandar a secretaria foi a socióloga e ex-deputada federal Fátima Pelaes (PMDB-AP), que foi feminista e já defendeu o direito ao aborto. Depois do que denomina como uma busca por Deus, Pelaes passou a militar pelo direito à vida "desde a concepção" e chegou a ser presidente da Frente Parlamentar Evangélica. Ela também é investigada por participação em um esquema de corrupção que desviou 4 milhões de reais do Ministério do Turismo, descoberto em 2011 pela Operação Voucher.

A secretária foi nomeada na sexta-feira 3, com publicação no Diário Oficial da União. Pelaes, no entanto, já havia participado de um ato público ao lado de Temer e do ministro Alexandre de Moraes, na terça-feira 31.

Na ocasião, foi anunciado o esboço de um plano federal de combate à violência contra a mulher que trata a questão como caso de polícia. O programa prevê, por exemplo, o pagamento de diárias a PMs e policiais da Força Nacional de Segurança que atuem, em dias de folga, em regiões com altos índices de violência doméstica.

"Levar a secretaria para o Ministério da Justiça diz muito sobre a compreensão deste governo provisório a respeito das políticas para mulheres. É a perspectiva policial, a perspectiva da repressão", critica a socióloga Eleonora Menicucci, que foi ministra das Mulheres de Dilma Rousseff.

Menicucci citou como referência o programa 'Mulher, Viver sem Violência', lançado em 2013 e responsável pela construção de Casas da Mulher Brasileira, centros de acolhimento que integram serviços de saúde e Justiça em um mesmo espaço e contam com profissionais treinados no atendimento a vítimas de violência.

Criadas a partir de diretrizes previstas na Lei Maria da Penha, as casas, já inauguradas em Campo Grande, Brasília e Curitiba, foram elogiadas pela ONU Mulheres. A previsão para 2016 é que sejam abertas unidades em São Paulo, Vitória, Salvador, Fortaleza, São Luís e Boa Vista. "Eu vou ficar em cima, vou monitorar, vou cobrar. E os movimentos sociais e de mulheres também", diz Menicucci.

Para Vanessa Dios, presidente do Instituto de Bioética Anis, o fato de não haver mulheres no primeiro escalão do governo Temer preocupa."Nós não temos ninguém que fale a favor das mulheres. Os direitos que foram conquistados estão seriamente ameaçados. Então talvez a gente não possa falar em avanços por enquanto, mas não podemos regredir. Temos que garantir que os direitos já conquistados sejam assegurados", afirma Dios.

Equipe
Os homens de Temer

No final de maio, o ministro da Educação do governo Temer, Mendonça Filho (DEM), recebeu das mãos do ator Alexandre Frota uma proposta para acabar com a "ideologia de gênero" nas escolas. Para Jacira Melo, diretora-executiva do Instituto Patrícia Galvão, o debate de gênero faz parte de um "percurso civilizatório" fundamental no combate à violência.

"Estamos diante de um perigo de retrocesso imenso. Para enfrentar a violência contra as mulheres é preciso trabalhar a relação de respeito mútuo e mostrar que é injusta a desigualdade de gênero. Mas o Congresso é totalmente contrário a esse debate e nós estamos tendo a aprovação, em legislativos municipais e estaduais, de projetos que proíbem o debate da diversidade, da desigualdade de gênero e da desigualdade racial. Vamos dar marcha a ré em décadas", diz Melo.

A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) concorda. Para ela, que foi ministra dos Direitos Humanos do governo Dilma, a base de sustentação de Temer no Congresso "nasce do conservadorismo, do controle sobre o corpo feminino e da própria cultura do estupro".

"É a mesma base de sustentação que cunhou a expressão 'ideologia de gênero', que na verdade é uma forma de ideologia machista. Eles não querem que tratemos da nossa identidade, não querem que percebamos a nossa condição feminina como especialmente vulnerável aos crimes sexuais. Eles oferecem como única solução uma visão policialesca, sem refletir exatamente sobre o tema da segurança no País", afirma a deputada.

A indicação de Fátima Pelaes para a Secretaria das Mulheres foi sugestão de parte da bancada feminina na Câmara dos Deputados, das "mulheres que participaram da lógica do golpe", segundo Maria do Rosário.

"Como mulheres, nós tínhamos a Presidência da República. Agora nós estamos no terceiro escalão ou abaixo. O governo Temer construiu na política a lógica da cozinha. As mulheres vão preparar a festa para que os homens possam fazer seus discursos. E isso é insuportável para nós. Toda vez que nos tiram da fotografia do poder, mais mulheres são vítimas da violência, porque nós nos transformamos em invisíveis", diz.

Aborto

Em maio de 2010, em uma votação na Câmara, a então deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP) chamou a atenção ao fazer um discurso pela aprovação do Estatuto do Nascituro, um projeto de lei que dá direitos ao feto e dificulta ainda mais o acesso ao aborto legal, mesmo em casos de estupro. Na ocasião, ela revelou que nasceu de um estupro que sua mãe sofreu na prisão.

"Eu já estive também em alguns momentos, nesta comissão, defendendo [o aborto], dizendo que toda mulher tem direito, que a vida não começa na concepção. Mas eu precisava ser curada, porque eu estava com trauma. Eu não conseguia falar disso", disse ela em 2010. O fortuiro encontro de Pelaes com a religião, que a fez rever suas posições, ocorreu a partir de 2002, quando a embarcação em que estava sofreu um naufrágio no rio Amazonas.

Após a repercussão negativa de sua nomeação, a nova secretária das Mulheres divulgou uma nota na qual afirma que a vítima de estupro deve, sim, ter o apoio do Estado. "Em respeito à minha história de vida, o meu posicionamento sobre a descriminalização do aborto não vai afetar o debate de qualquer questão à frente da Secretaria de Políticas para as Mulheres. A mulher vítima de estupro, que optar pela interrupção da gravidez, deve ter total apoio do Estado, direito hoje já garantido por lei", diz a nota.

Para comandar a pasta, é preciso garantir os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e tratar o aborto como uma questão de saúde pública. É preciso, por exemplo, melhorar o atendimento às mulheres que recorrem ao Sistema Único de Saúde (SUS) para o aborto legal (quando a gravidez é decorrente de estupro; quando há risco de vida para a mãe; e em casos de fetos anencéfalos). CartaCapital tenta contato com Pelaes há dez dias, sem sucesso – na terça-feira, a secretária chegou a atender o celular e disse que ligaria depois, mas não retornou a ligação.

Além do Estatuto do Nascituro, estão em tramitação no Congresso Nacional diversos projetos de lei que reduzem os direitos reprodutivos e sexuais das mulheres. Um deles é o PL 5069/2013, de autoria do presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que dificulta o atendimento médico das vítimas de estupro. Segundo a proposta, a vítima terá que registrar boletim de ocorrência e fazer exame de corpo de delito para, somente então, ser atendida em uma unidade de saúde e ter acesso a métodos contraceptivos e de profilaxia.

Mulheres se mobilizam pelas redes para denunciar a cultura do estupro

Posted: 04 Jun 2016 01:48 PM PDT

Por Camila Nobrega e Cinthya Paiva*

A notícia do estupro coletivo sofrido por uma adolescente de 16 anos, no fim de maio, em uma favela da Zona Oeste do Rio de Janeiro, com envolvimento de mais de 30 homens, será impossível de ser esquecida. O caso ficará eternizado por ter sido publicizado pelas redes sociais, com a divulgação do vídeo por parte dos autores do crime, e também pelas respostas que recebeu dentro das próprias redes, principalmente aquelas protagonizadas por mulheres, que ao denunciarem o caso e pedirem punição aos envolvidos, criaram eco e provocaram amplo debate público sobre a cultura do estupro no país.

Ao mesmo tempo em que foi o meio virtual que empoderou a jovem e a sensibilizou para que ela denunciasse oficialmente o crime ocorrido, foi nele também onde a imagem dela foi exaustivamente exposta, sendo sua vida virtual e física ameaçada diretamente por um forte discurso de responsabilidade, legitimado pela cultura patriarcal e oligárquica do estupro. Ou seja, a situação nas redes foi marcada por esta dualidade, o que nos leva a refletir sobre os usos que atualmente são feitos da internet.

Por outro lado, em um país com grande penetração dos meios de comunicação tradicionais (principalmente a televisão e o rádio), é improdutivo realizar qualquer análise sobre a batalha dos discursos travada nas redes sociais, sem que seja feito um paralelo sobre os discursos produzidos nestes meios tradicionais. Em outros termos, analisar como a mídia tradicional se posiciona ou como reporta os fatos torna-se essencial para compreender a formação da opinião pública exposta nas redes e os diversos pesos dados às diferentes narrativas que tomam a internet.

No fato em debate, vale recordar que antes das manifestações de milhares de mulheres em torno do tema, o jornal Folha de S. Paulo, no dia 26 de maio, noticiava a seguinte manchete, em seu caderno Cotidiano: "'Chorei quando vi o vídeo', diz avó de garota que diz ter sido estuprada". Ao colocar que a vítima "diz ter sido estuprada", o jornal assume um posicionamento de pôr em dúvida a afirmação da vítima, apesar das evidências de que houve o crime por ela relatado.

Em reportagem da Globonews no mesmo dia, o advogado de Raí de Souza confirmou que o cliente dele foi o responsável por filmar a jovem nua (desacordada, como mostravam os videos, impossibilitada de qualquer reação) e sangrando e compartilhar com outras pessoas por celular, que em seguida teriam disponibilizado na internet. Se os jovens admitiram responsabilidade na gravação e divulgação das imagens isso por si só já é crime. Caberia, portanto, à reportagem questionar "por que os mandados de prisão demoraram tanto para serem expedidos?" ou "por que o caso continuava sendo tratado como suspeita a ser investigada?". Nada disso foi feito, o que mostra certa negligência da mídia quanto à apuração do que realmente importava ao fato e demonstra a dificuldade de se reconhecer como vítima a mulher que sofreu estupro.

Em outros veículos, a jovem foi, a todo tempo, levada a provar sua condição de vítima, cabendo exclusivamente às pessoas da família, advogados de defesa e pessoas diretamente envolvidas com a jovem o papel de defendê-la de acusações sobre seu comportamento, como se isto fosse o que estivesse em jogo. O mesmo peso acusatório não recaiu sobre os jovens acusados do crime – que apareceram rindo na televisão – o que permite relacionar a responsabilização da vítima à cultura de violência e estupro contra as mulheres que segue incrustada em nosso país. Por isso, vale sempre lembrar que estupro é crime previsto no Código Penal Brasileiro (Lei 2848/1940), sendo classificado como ato de "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso" (art.213).

Gerar dúvidas em relatos de vítima de estupro é o padrão no sistema de Justiça brasileiro, principalmente quando os receptores da denúncia são homens. Não por acaso, as delegacias especiais de proteção às mulheres foram criadas para minimizar o constrangimento da vítima, exposta primeiramente ao crime e, depois, aos que tentam imputá-la alguma responsabilidade. As notícias nos grandes jornais seguiram, portanto, com este mesmo tom, reproduzindo a violência simbólica operada nas salas de delegacias e hospitais brasileiros.

Não por acaso, o mesmo tom de dúvida exposto nos grandes jornais e TVs foram amplamente reproduzidos nas redes sociais, ou seja, a partir do discurso de responsabilização da vítima ou mesmo de divulgação de informações sobre sua vida – irrelevantes ao caso – feitos nos veículos tradicionais, emergem e crescem na internet posts e comentários de relativização do estupro, que reforçam a narrativa da culpa da vítima. Questões como "mas por onde ela andava e com quem?" e "que tipo de roupas ela usava" foram comuns, além dos memes que expunham a vítima.

Estupro e recorrência na mídia

No Brasil, uma mulher é estuprada a cada três horas, e isto está diretamente ligado à cultura machista e patriarcal que coloca as mulheres como objeto sexual do homem. O corpo feminino, ao invés de ser de pertencimento das mulheres, é tido como propriedade do masculino, podendo este fazer uso quando bem entender. Infelizmente, a mídia brasileira não tem atuado na desconstrução desta cultura. Ao contrário, são inúmeros os casos em que há a naturalização da violência sexual contra as mulheres em programas de rádio e TV.

No Programa Agora é Tarde, da BAND, apresentado por Rafinha Bastos, que foi ao ar no dia 25 de fevereiro de 2015, o ator Alexandre Frota revelou – em tom de gozação e deboche – que teria praticado sexo com uma mãe de santo contra vontade dela enquanto ela estaria desmaiada, ou seja, que a teria estuprado. À época, o Intervozes acionou o Departamento de Acompanhamento e Avaliação do Ministério das Comunicações e o Ministério Público Federal (MPF). Em uma materialização da negligência sobre a violência, nunca houve punição para o caso. Ao contrário, o ator transformou-se em figura pública digna de ser recebida para apresentar propostas ao Ministério de Educação, em Brasília, no atual governo interino de Michel Temer.

Há ainda o estupro ocorrido no programa Big Brother Brasil, na edição de 2012, na TV Globo, em que Daniel, um dos participantes da casa, foi expulso após a participante Monique ter dito que: "Só se ele foi muito mau caráter de ter feito sexo comigo dormindo", caso que contou, inclusive, com investigação criminal. E, no início deste ano, muitas foram as denúncias após a exibição de uma cena de estupro em uma minissérie da TV Globo, Ligações Perigosas.

Na internet, o debate sobre a cultura do estupro tinha sido levantado no final de 2015, em função da multiplicação de comentários absolutamente lascivos e agressivos em relação a uma menina de apenas 12 anos, participante do reality show Masterchef.

O poder mobilizador da internet, porém, por vezes acaba por expor vítimas de violência sexual. Por falta de informações sobre o funcionamento das redes sociais, muitas pessoas ajudaram a perpetuar o crime cometido no fim de maio ao enviar mensagens, mesmo que em tom de repúdio. Assim, embora as redes sociais possam cumprir um papel de produção da diversidade de discursos – para além do produzido na mídia convencional – neste caso, cumpriu também um papel de violador de direitos humanos, ao expor, pela segunda vez, a vítima à violência.

O que se deve fazer, nesses casos, não é denunciar o perfil do divulgador do material pela timeline ou reproduzir o seu conteúdo. As denúncias devem ser feitas de forma privada, copiando o endereço das postagens nos locais específicos para isso dos sites das redes onde foram feitas as publicações. Deve-se lembrar que também é crime a publicação de fotos com cenas pornográficas de sexo envolvendo crianças ou adolescentes, de acordo com o artigo 240 do Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 8060/1990).

As formas de violência simbólica impostas às mulheres são muitas. E a tentativa de entendê-las é essencial para enxergar as relações de dominação, que são relações históricas, culturais e linguisticamente construídas. A narrativa que expõe essa violência e se contrapõe a ela precisa de uma força ainda maior para romper o discurso que figura na ordem do que é natural, radical, irredutível e universal dentro de um conjunto de valores e apontar diferentes poderes que mantêm essa dinâmica funcionando.

É muito mais fácil manter-se no diálogo com a ordem do dia, reafirmando preconceitos e assimetrias de discursos do que jogar luz nas entrelinhas. E, nas redes sociais, vale lembrar, isto ocorre porque elas não são espaços neutros – como muitos acreditam ser. Ao contrário, elas também estão imersas em relações de poder e podem (re)produzir narrativas já estruturadas que operam na disputa destes poderes. A boa notícia, no entanto, é que, se por um lado o discurso conservador parece avassalador nas mídias tradicionais e nas redes, olhando por outro ponto de vista, é essencial apontar a força de um contradiscurso protagonizado por mulheres que cresceu por conta própria e se impôs, influenciando até mesmo a grande mídia.

Após as manifestações públicas na internet de milhares de mulheres e a organização de atos como a Marcha das Flores, o tom da imprensa se modificou. A própria Folha de S. Paulo e a TV Globo mudaram a forma de noticiar o fato, tratando-o como crime. E, mesmo com bastante atraso, os movimentos sociais de mulheres ganharam voz dentro das reportagens, uma vez que o fato não poderia mais se manter invisibilizado. Em outros termos, o cenário mostra que os ataques às mulheres – somos constantemente submetidas ao julgamento do patriarcado – não serão superados sem que haja forte mobilização nas redes e também nas ruas. Os crimes não serão esquecidos, nem silenciados.

*Camila Nobrega é jornalista e pesquisadora visitante do departamento de Ciência Política da Freie Universität Berlin e Cinthya Paiva é advogada; ambas integram o Coletivo Intervozes.

Google lidera mercado de mídia com faturamento 166% maior que Disney

Posted: 03 Jun 2016 01:50 PM PDT

Os últimos dados consolidados de faturamento dos maiores grupos de mídia do mundo mostram um avanço daqueles que utilizam plataformas digitais nas primeiras posições, em relação aos tradicionais, sob a liderança incontestável do Google, da holding Alphabet, com 59,6 bilhões de dólares, 166% acima do concorrente mais próximo, o Walt Disney.

Em 2012, a receita fora 21% superior à dessa rival e em 2013, a diferença passou para 136%. Os dados são da pesquisa Top Thirty Global Media Owners, realizada pela Zenith Optimedia desde 2007.

O Facebook é o de crescimento mais rápido entre os 30 maiores, com um aumento da receita em 65% e o chinês Baidu é o segundo mais veloz, com uma evolução de 52%. O Alphabet vêm em terceiro, com um acréscimo de 17%.

Os maiores grupos de mídia digital, incluído o Facebook, na décima quinta posição, dominam o mercado de anúncios na internet e o seu rápido crescimento os impulsionou para o alto no ranking da mídia global, superando muitos conglomerados tradicionais.

O gasto com publicidade digital cresceu 18% anuais em média desde 2011, impulsionado pelo aumento do uso da tecnologia de dispositivos móveis, da mídia social e do vídeo online. Esses avanços, por sua vez, permitiram desenvolvimentos da tecnologia de anúncios, tais como a compra programática (exibição otimizada por algoritmos) e a pesquisa local em tempo real. O desembolso com publicidade nos meios tradicionais cresceu só 0,6% no mesmo período.

A presença de empresas de tecnologia e internet, no setor de mídia e no mundo dos negócios, poderá aumentar se for concretizada a intenção da Apple adquirir a Time Warner, em uma transação de 60 bilhões de dólares que incluiria a HBO e a CNN e daria um impulso considerável à Apple TV.

Segundo um levantamento da Statista com base em dados da Moody's Investor Service, a Apple tinha um caixa de 215,7 bilhões de dólares em dezembro, a Microsoft 102,6 bilhões e o Google, 73,1 bilhões. Seguem-se a Cisco, com 60,4 bilhões e a Oracle, com 52,3 bilhões.

Em sexto lugar, está a Pfizer (39,3 bilhões), em sétimo a Johnson & Johnson (38,4 bilhões), em oitavo a Amgen (32,1 bilhões). Na nona e na décima posições ressurge o setor de internet e tecnologia com a Intel (31,3 bilhões) e a Qualcomm (30,6 bilhões).  

Lava Jato continua a ditar rumos e coloca em xeque o governo Temer

Posted: 04 Jun 2016 05:08 PM PDT

Mesmo diante da perspectiva de um rombo de 170 bilhões de reais nas contas da União em 2016, o presidente interino Michel Temer e sua base de sustentação na Câmara aprovaram um megapacote de rea­justes do funcionalismo, com impacto estimado de 58 bilhões de reais até 2019.

O desfalque bilionário – votado uma semana após o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, propor um teto para o aumento dos gastos públicos – expõe a fragilidade do novo governo, disposto a sacrificar uma de suas bandeiras mais caras, a da austeridade fiscal, para angariar algum apoio, sobretudo no Judiciário, um dos setores mais beneficiados pela medida.

Há motivos de sobra para o afago. Em apenas 19 dias, o governo interino sofreu duas baixas expressivas. Os ministros do Planejamento, Romero Jucá, e da Transparência, Fabiano Silveira, caíram após as revelações de conversas gravadas por Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, subsidiária da Petrobras. No fim de maio, o Supremo Tribunal Federal homologou a delação do antigo gestor, bem como a de seu filho caçula, Expedito Machado Neto. 

O temor de novos vazamentos assombra a cúpula peemedebista, assim como a notícia de que a Odebrecht, maior empreiteira do Brasil, está prestes a colaborar com a Operação Lava Jato. A empresa sempre zelou em fazer ecumênicas doações de campanha a todos os partidos com potencial eleitoral, entre eles PT, PSDB e PMDB.

Silveira
Silveira viu-se forçado a entregar a pasta da Trasparência (Foto: Geraldo Magela)

A sinalização de cortes na área social e de mudanças profundas em históricas conquistas da sociedade, como a Previdência Social e o Sistema Único de Saúde, oferecem farta munição aos adversários. A proposta de reforma trabalhista também enfrenta forte resistência das centrais sindicais

Na quarta-feira 1º, centenas de trabalhadores sem-teto ocuparam a sede da Presidência da República na capital paulista, em protesto contra cortes no Programa Minha Casa Minha Vida. Em 17 de maio, o ministro das Cidades, Bruno Araújo, do PSDB, suspendeu um despacho da presidenta afastada, Dilma Rousseff, que autorizava a contratação de 11.250 moradias para famílias de menor renda.

Acionada, a Polícia Militar usou da habitual truculência para conter os militantes, com uso de gás pimenta e bombas de efeito moral. O grupo só dispersou, porém, após o governo anunciar a contratação de novas unidades habitacionais.

Enquanto as pressões sociais contra Temer crescem, a Lava Jato continua a ditar os rumos da política nacional. Os escandalosos diálogos de Jucá com Machado expuseram o acordão de bastidores, para derrubar o governo Dilma e estancar a "sangria" da operação.

Silveira, por sua vez, viu-se forçado a deixar a pasta da Transparência após a divulgação de conversas nas quais orienta a defesa de investigados no esquema de desvios da Petrobras, a exemplo do presidente do Senado, Renan Calheiros, seu padrinho político.

 

Segundo Machado, a gravação foi feita durante uma reunião na residência oficial do senador, quando Silveira ainda era integrante do Conselho Nacional de Justiça. 

Além da Odebrecht, a empreiteira OAS também corre para fechar um acordo de cooperação com a Lava Jato. Condenado a 16 anos de prisão, Léo Pinheiro, ex-presidente e sócio da OAS, enfrenta, porém, dificuldades para acertar os termos de sua delação.

Conforme o jornal Folha de S.Paulo noticiou, as negociações travaram após o executivo inocentar Lula nos episódios envolvendo as reformas do sítio, em Atibaia, e do triplex, no Guarujá. Segundo ele, o ex-presidente não tinha conhecimento das iniciativas, qualificadas como um "agrado", sem contrapartidas a qualquer benefício que o grupo tenha obtido.

Romero Jucá
Flagrado em gravações, Jucá escancarou o gope (Foto: Antonio Cruz/ABr)

Para o deputado petista Wadih Damous, o episódio revela um "inaceitável direcionamento" dos investigadores sobre o teor das delações. "Ao responder a uma pergunta, pelo simples fato de não ter incriminado Lula, o executivo teve o processo paralisado, com a ameaça de ser preso novamente.

Como podem induzir depoimentos dessa forma? Como podem só aceitar acusações contra esta ou aquela pessoa?", indaga. "Infelizmente, vivemos um quadro no qual a pauta política é ditada pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pela Polícia Federal."

Na realidade, as operações da Polícia Federal não afetam apenas o conturbado cenário político, mas também causam alvoroço na seara econômica. Na terça-feira 31, o Ministério Público do Distrito Federal recebeu um relatório da Operação Zelotes com o indiciamento do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, e outros dois diretores do banco.

 

Eles são acusados de negociar a contratação de um escritório que atuava para corromper integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), para livrar ou reduzir multas no órgão. A notícia fez as ações da instituição financeira despencarem. Apenas naquele dia, o Bradesco perdeu cerca de 6 bilhões de reais de seu valor de mercado. 

Em comunicado à Comissão de Valores Mobiliários, o banco apontou fragilidades das acusações. Trabuco, que chegou a ser sondado para integrar o Ministério da Fazenda no governo Dilma, jamais foi chamado para prestar esclarecimentos à PF.

O Bradesco alega ter sido procurado por um escritório de assessoria tributária para advogar uma causa no conselho, mas garante que os serviços não foram contratados, tampouco houve pagamentos. "Cabe informar que o processo junto ao Carf, objeto da investigação, foi julgado em desfavor do Bradesco por unanimidade e encontra-se, agora, submetido ao Poder Judiciário."

As tempestades enfrentadas pelo governo interino têm minado o apoio de senadores à destituição de Dilma. Até mesmo o mercado financeiro parece desconfiar da capacidade de Temer tocar as reformas anunciadas e sanear as contas da União.

Cunha e Maranhão.jpg
Cunha conta com Maranhão para livrar-se da cassação (Foto: Edro Ladeira/Folha Press)

Após três meses seguidos de alta, o Ibovespa encerrou o mês de maio com queda de 10,09%, a maior desde setembro de 2014. Em trajetória inversa, o dólar valorizou-se 5%. 

Na quinta-feira 2, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, reconheceu ter "muita preocupação" com recuos na votação final do impeachment. Nos últimos dias, os senadores Cristovam Buarque, do PPS, Acir Gurgacz, do PDT, e Romário, do PSB, acenaram para a possibilidade de mudar de posição.

Não por acaso, Temer orientou seus aliados a acelerar o trâmite do impeachment no Senado. Relator do processo, o tucano Antonio Anastasia já havia proposto um apertado calendário, com votação prevista para 2 de agosto. Agora, a comissão estuda formas de encurtar prazos para resolver a questão ainda em julho.  

Para barrar o processo, os aliados de Dilma precisam consolidar a base de 22 senadores contrários e reverter o voto de ao menos outros seis. Setores da esquerda defendem que a presidenta afastada assuma o compromisso de convocar novas eleições caso recupere o mandato. Não há, contudo, qualquer consenso sobre o tema.

"Quando essas novas eleições seriam realizadas? E qual seria a solução, um mandato-tampão de dois anos?", indaga Paulo Rocha, líder do PT no Senado. O simples retorno de Dilma tampouco solucionará a crise política, reconhece o deputado petista Damous. "Ou ela acena para um novo governo, com as bandeiras que asseguraram sua vitória em 2014, ou propõe novas eleições, até porque o Congresso será o mesmo, majoritariamente golpista."

De fato, não há muito o que esperar do Parlamento mais conservador desde o fim da ditadura. Réu da Lava Jato e afastado da presidência da Câmara pelo STF, Eduardo Cunha continua dando as cartas no jogo legislativo, por intermédio de seus devotados discípulos.

Na quarta-feira 1º, o deputado Marcos Rogério apresentou ao Conselho de Ética da Casa um contundente relatório pedindo a cassação de mandato do peemedebista, no qual expõe as fraudes praticadas por ele para ocultar recursos de origem ilícita em paraísos fiscais, à sombra de trustes. 

Odebrecht
A delação de executivos da Odebrecht ameaça os principais partidos (Foto: Felipe Rau/Estadão Conteúdo)

A tropa de choque de Cunha deve, porém, apresentar um voto em separado, a propor uma punição mais branda, possivelmente uma suspensão. Em nova manobra para salvar o aliado, o presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão, encaminhou uma consulta à Comissão de Constituição e Justiça, que pode mudar as regras dos processos de quebra de decoro e impedir recursos em plenário em prejuízo do acusado.

A CCJ, vale lembrar, é presidida pelo peemedebista Osmar Serraglio, um dos propagandistas do movimento de "anistia" a Cunha como retribuição pelo impeachment de Dilma. E o caso deve ser relatado por Arthur Lira, do PP, outro leal combatente do presidente afastado da Câmara.

"Cunha está em plena atividade, dedicado em tempo integral para evitar a cassação de seu mandato. Maranhão e a mesa diretora não tomam uma decisão sem orientação ou aval dele", observa Chico Alencar, vice-líder do PSOL na Câmara. "Parece que alguns colegas desejam acompanhar Cunha à beira da cova, e saltar junto com ele. Mas tenho certeza de que a maioria da Casa, embora silenciosa, deseja a cassação", emenda o deputado Júlio Delgado, do PSB de Minas Gerais.

A influência de Cunha é mais um motivo de constrangimento para o governo interino. Dias após ser afastado pelo STF, o parlamentar encontrou-se com Temer na residência oficial do então vice-presidente, a menos de uma semana da votação da admissibilidade do impeachment de Dilma pelo Senado. Desde então tem emplacado diversos aliados em cargos estratégicos do segundo escalão da administração federal. 

A nomeação de André Moura para a liderança do governo na Câmara demonstrou o quanto Temer é refém das vontades de Cunha. Fidelíssimo aliado do parlamentar afastado, o deputado do PSC é réu em três ações no STF e alvo de outros três inquéritos na mesma Corte, um deles por tentativa de homicídio. Um currículo que deve encher de orgulho os que marcharam pela derrubada de Dilma e o fim da corrupção. 

Fim do mundo

Posted: 04 Jun 2016 05:09 PM PDT

–Antes de a gente entrar no papinho, um comentário recorrente sobre o valor das contas no supermercado.

– Sobem todo dia.

– Não diria que sobem todos os dias, mas chegaram em um valor que fica difícil entender, aceitar. Não tem mais queijo com preço razoável. Azeite virou uma piração forte. Bons vinagres é melhor esquecer.

– E as carnes? E o tal frango Korin?

– Pergunta que não quer calar: por que só a Korin vende frango orgânico? Pergunta que não quer calar 2: por que a carne da sobrecoxa dos monopolistas frangos Korin está idêntica à do peito?

– Também não sei responder e vou ser franco, já que o assunto é galinha.

– Espera. Foi uma infeliz tentativa de fazer um trocadilho?

– Ficou com pena de mim?

– Basta. Segue com o bonde.

– Um belíssimo bife de filé de costela do Wessel. Comprei no supermercado por 22 reais. Lindão, bem marmorizado, nacos de gordura no lugar certo e excelente espessura.

– Acho que sei do que você vai falar. Em churrascaria, um bife desses não sai por menos de 70 reais.

– Sabemos de tudo: aluguel, impostos, funcionários... ou seja: nem dá pra dizer que seja um preço extorsivo, mas é um valor alto.

– Solução: comer em casa ou proteger seu cólon e deixar a carne de lado.

– Se o preço dos pescados ajudasse, por que não?

– Tem um lado positivo nisso tudo. Estamos fazendo como fazem as pessoas no mundo civilizado: comem fora uma vez por semana, se forem perdulárias. Uma vez por mês seria o mais razoável.

– Também existe o restaurante do bairro, que é sempre mais em conta que o dos pontos turísticos das cidades.

– Aqui ainda não temos essa cultura. Ou o restaurante é ruinzinho ou ganha fama e passa a ser frequentado por "turistas" e o preço vira preço de lugar chique.

– Ainda temos padarias em bairro, as feiras livres, uma ou outra quitanda.

– Açougue precisa dar sorte. É mais difícil encontrar matéria-prima muito boa em açougues de bairro.

– Idem com as peixarias. Aliás, vale a pena investigar, mas a sensação que eu tenho é de que as peixarias estão sumindo.

– Tudo que se pesca vira sushi e sashimi.

– Verdade. Pode não estar sobrando para outro tipo de consumo.

– Eu me lembro de sair com minha mãe, a pé, e ir passando na quitanda, no açougue, na peixaria – mas quando ela comprava carne não comprava peixe –, no armazém.

– E num belo dia fizeram um supermercado e acabaram com o cinema e o bazar onde vendiam panelas, brinquedos e eletrodomésticos.

– Pois então! Falam do final dos tempos, mas, se a gente parar e pensar, acho que já aconteceu e nós o aceitamos sorrindo. 

Governo ilegítimo e rejeitado

Posted: 04 Jun 2016 05:04 PM PDT

Com impressionante celeridade, desnuda-se o engodo da "solução" apresentada pelos patrocinadores do impeachment de Dilma Rousseff. O acordão de bastidores para deter a Lava Jato acabou exposto na escandalosa conversa do senador Romero Jucá com Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, braço logístico da Petrobras.

As medidas anunciadas para a economia, com forte arrocho social, não foram capazes de acalmar os humores do mercado. Rifado pelo Planalto na primeira tempestade, Jucá era visto como peça essencial para tocar a agenda de desmonte do Estado e dos direitos trabalhistas no Congresso. Diante dos constantes recuos e trapalhadas do governo interino, a desconfiança emerge: Michel Temer veio para pacificar ou aprofundar a crise política?

Logo após o vendaval causado pelo vazamento das declarações de Jucá, a Rede Sustentabilidade divulgou uma áspera nota contra o novo governo, na qual a legenda resgata uma antiga proposta para a superação da crise.

"A Rede entende que PT e PMDB são igualmente responsáveis pelo cenário político-econômico em que vivemos e a única forma de passar o País a limpo é a realização de uma nova eleição, única situação em que a sociedade poderá decidir o que quer repactuar para o seu futuro sem a intermediação dos próprios políticos acusados e investigados por corrupção." Em diferentes formatos, a alternativa é debatida pelo PCdoB, pelo PSOL e até mesmo por setores do PT, para quem a bandeira das "Diretas Já" é capaz de unificar o campo da esquerda, além de angariar mais apoio popular do que a mera defesa pelo retorno de Dilma.

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Valente: Por ora o que une a esquerda é o Fora Temer (Foto: Marcelo Camargo/ABr)

No Senado, uma Proposta de Emenda à Constituição prevê a convocação de novas eleições para presidente em outubro, com um mandato-tampão de dois anos. Na Câmara, o deputado Domingos Neto, do PSB, apresentou um Projeto de Decreto Legislativo para a convocação de um plebiscito, no qual os brasileiros seriam consultados sobre a possibilidade de escolher um novo governante. No fim de abril, o Ibope revelou que 62% da população desejava a saída de Dilma e Temer.

Verifica-se agora que a presidenta afastada cresceu na avaliação popular, conforme outra pesquisa, de 18% para 33%. A enquete de abril, ao ouvir 2.022 eleitores em 142 municípios, informava que a maioria apoia a convocação de novas eleições. Mesmo os defensores do pleito antecipado admitem as dificuldades a serem enfrentadas, devido aos numerosos obstáculos políticos e jurídicos existentes. 

PEC das Novas Eleições foi apresentada pelos senadores Walter Pinheiro (sem partido), Randolfe Rodrigues (Rede), João Capiberibe (PSB), Lídice da Mata (PSB), Paulo Paim (PT) e Cristovam Buarque (PPS). De acordo com o grupo, a proposta não visa barrar o impeachment contra Dilma, e sim entregar à população o direito de escolher sobre o seu futuro.

"Temer não tem nem 2% das intenções de voto e está tocando um projeto político que jamais passaria pelo crivo das urnas. Dilma, por sua vez, mergulhou em profunda impopularidade ao abraçar a austeridade fiscal, e não acredito que um mea-culpa será suficiente para resgatar a confiança de seu eleitorado", resume Capiberibe. "Neste novo pleito, os candidatos terão a oportunidade de expor suas ideias para a superação da crise, qual é o modelo de reforma política que pretendem tocar, quais são as propostas para recuperar a economia. A palavra final caberá ao povo."

A ideia de convocar um plebiscito para consultar a população sobre novas eleições é apoiada pelo PCdoB. Na avaliação da deputada Luciana Santos, presidente nacional do partido, a proposta tem mais chances de prosperar, pois os projetos de decreto legislativo requerem maioria absoluta, ou seja, metade dos votos mais um. Uma emenda constitucional, por sua vez, demandaria três quintos dos parlamentares, em dois turnos de votação. "A crise é tão grave que o Congresso afastou uma presidenta sem crime de responsabilidade. A questão é eminentemente política, e não será tão simples reconstruir as condições de governabilidade no eventual retorno de Dilma", diz a parlamentar.

A realização de um plebiscito antes da convocação de novas eleições arrastaria a crise para 2017, observa o filósofo Vladimir Safatle, professor da Universidade de São Paulo. "Em uma situação tão grave como esta, não há coisa melhor a fazer do que voltar ao poder instituinte para buscar uma solução com mais democracia", diz o intelectual, filiado ao PSOL. "Precisamos, porém, construir uma alternativa logo, e não me parece fazer sentido encampar o coro 'Volta, Dilma'. Não há mais espaço para a política de conciliação dos governos petistas, que buscavam satisfazer tanto as demandas das massas quanto as reivindicações das oligarquias insatisfeitas. Esse modelo está esgotado."

O deputado Ivan Valente enfatiza que o PSOL não tem posição fechada sobre o tema. "Por enquanto, o que une a esquerda é o 'Fora, Temer', a rejeição a este governo ilegítimo e golpista", diz. Na avaliação do parlamentar, não tardará para a insatisfação contra as impopulares medidas anunciadas por Temer refluir nas ruas, o que pode aumentar as chances de rejeição do processo de impeach-ment pelo Senado. O desfecho não resolveria, porém, a falta de apoio ao governo petista. "O melhor seria costurar um acordo, inclusive com Dilma, capaz de unir os movimentos sociais e os partidos do campo progressista."

O PT está dividido. Em conversas reservadas, algumas lideranças admitem que o ideal seria Dilma assumir o compromisso de propor novas eleições caso retorne ao Planalto. Dessa forma, seria possível costurar um acordo para barrar o impeachment no Senado. Organizações historicamente ligadas ao partido, a exemplo da CUT e do MST, rejeitam a alternativa, vista como sinal de capitulação e legitimação do golpe. Um sólido núcleo do partido ainda aposta no retorno da presidenta afastada. "Com o compromisso de resgatar o projeto que a elegeu em 2014, ela pode perfeitamente reconstruir sua base", diz o deputado Paulo Teixeira.

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Safatle: Voltar ao poder instituinte para uma solução mais democrática (Foto: Isadora Pamplona)

Se é difícil construir um consenso dentro da esquerda, mais complicada ainda será a tarefa de obter maioria no Parlamento para convocar novas eleições. Um dos idealizadores da PEC que tramita no Senado, Walter Pinheiro, reconheceu ser remota a possibilidade de aprová-la sem intensa mobilização popular. Outro obstáculo é de natureza jurídica. Assim que a proposta for levada adiante, é prevista uma batalha no Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da alternativa. 

Na avaliação de Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo, a convocação de novas eleições é restrita a cinco possibilidades: impeachment de Dilma e Temer, cassação da chapa que os elegeu pelo Tribunal Superior Eleitoral, renúncia coletiva, morte ou doença incapacitante. "No meu entendimento, isso é uma cláusula pétrea da Constituição. Não pode ser modificado por emenda."

Para o jurista Marcello Lavenère, ex-presidente da OAB, é remota a possibilidade de a ideia vicejar. "Essa saída pressupõe um pacto político amplo, inclusive com os partidos que apoiaram o impeachment de Dilma, pois não está prevista constitucionalmente. Apenas se o governo Temer também perder sua sustentação política essa alternativa poderia se viabilizar."

Ainda assim, os defensores da proposta do plebiscito não esmorecem. "Não acredito que o Supremo assumiria o ônus político de impedir que a população decida sobre o seu próprio futuro, ainda mais se for para solucionar a grave crise política que vivemos", diz Capiberibe.

Sobre meninos e monstros

Posted: 03 Jun 2016 01:10 PM PDT

Uma amiga desapareceu ao fim do colegial. Tinha acabado de se tornar mãe. Nunca mais tivemos notícias dela.

Duas amigas se mataram desde o fim da faculdade. Uma delas estudava comigo desde a segunda série do fundamental. Era uma das jovens mais inteligentes da turma, mas poucos queriam saber disso - alta, loira, magra, foi a representante da escola num concurso de beleza durante a viagem de formatura.

Perto dos 30, enforcou-se pouco depois de desmanchar o noivado. Os amigos dos amigos diziam, à boca pequena, que a relação havia desandado porque ela ficara estranha demais desde que o irmão morrera, cerca de dois anos antes, num acidente de carro. Ela tinha depressão.

As tragédias envolvendo nossas amigas são uma espécie de tabu em qualquer roda de conversa. De alguma forma, preferimos atribuir à insanidade, ao desespero, ao ato incalculável o que chamamos de absurdo ou loucura. "A vida segue", diz a prudência quando precisamos eliminar o sofrimento ou o entendimento - quase sempre consequência um do outro.

Em nosso prédio, muitos casais tiveram filhos de uns tempos pra cá. Os homens, depois de cinco dias, voltamos aos trabalhos. As mulheres se encontram na área comum com seus carrinhos, trocam sorrisos, cumprimentos, as primeiras impressões.

A maioria tem olheiras, sorrisos cansados, suspiros. Muitas deixam para depois, ou para nunca mais, o retorno ao trabalho – e à qualquer possibilidade de autorrealização fora dos afazeres do lar.

Em casa, as perguntas chegam tímidas, discretas. "O que ele tem? Gripe?". As exigências são sempre direcionadas à mãe. Inclusive o dever de sorrir. "Não é mágico?" Com as lupas vêm as dicas. Se faltou leite, faltou fé. Faltou amor. Faltou milho – a mãe e seu estômago não suportam milho, pipoca, canjica e derivados, mas suportam menos a acusação de negligência.

O coitado vai ficar com o pai. A mãe – "é doida?" – vai arejar as ideias com uma caminhada no parque. Volta mais cedo porque uns marmanjos a seguiram depois de oferecerem gracejos, ruídos e sons com a língua. "Quem mandou sair de casa?"

O pai, explicam os mais velhos, tem alguns genes mal desenvolvidos que inibem a sensibilidade ao choro, à fome, à sujeira. São, em compensação, responsáveis por sair à caça durante o dia para trazer a presa à noite – às vezes com o hálito da embriaguez e da amargura por não ser mais o bebê da casa.

Bons tempos aqueles - tudo em nós, os meninos, era lindo. A barrigudinha. A flatulência. O arroto à mesa. O cabelo despenteado. A roupa suja. A calça do avesso - um charme. Até a briga na saída da escola. A resposta atravessada aos professores - é da idade, é da natureza, é da rebeldia.

Na brinquedoteca, as crianças discutem. O mais novinho, desavisado das leis da natureza, pede para brincar de cozinha e toma um pescotapa do pai. Meninos, ensina o pai (e também os professores), gostam de aventura - de lama, de corre, de bola, de polícia, de ladrão. Meninas gostam de boneca, de panela e de vestido - ai se chegar em casa suja de lama, diz mãe natureza na voz dos pais.

Gostam também dos contos de fadas. Vamos ler um? "A Princesa e a Ervilha". O príncipe queria se casar, mas não havia ninguém no reino que fosse da sua estatura. Numa noite de muita chuva, uma princezinha bate à porta do castelo e pede abrigo. A rainha desconfia: deve ser golpe.

Coloca uma ervilha embaixo de uma sequência de colchões na cama onde a jovem passará a noite. Se for uma princesa de verdade, pensa, ela vai se incomodar. Pois só uma princesa de verdade tem a pele sensível o suficiente para perceber uma ervilha entre tantos colchões. A princezinha passou no teste: reclamou, pela manhã, que dormiu como se estivesse deitada sobre pedras. Estava apta a se casar com o príncipe.

O castelo é da princesa, e ele está repleto de revistas com dicas para ter o corpo perfeito, para agradar, para não envelhecer jamais. O mundo é do príncipe: ele está nos livros, nas arquibancadas, no esporte popular, nos festivais, nos filmes, nas chamadas dos sites pornô, nos shows, nas letras - "esse cara sou eu" diz a melô do stalker com selo de canção romântica - nos pôsteres, nas delegacias, nos cargos de comando, nas colunas de opinião, no Congresso – generoso, faz as vezes de cabo eleitoral da filha e da conjugue e é homenageado nas grandes votações.

Quem está ali sem licença de outro homem ouve nos corredores que só não é estuprada por que não merece. Quem está livre para dizer o que dá na telha, porque desde cedo aprendeu de quem é o mundo, pode homenagear inclusive torturador que violentava mulheres na ditadura. Azar de quem não leva na brincadeira.

O estupro e a tortura têm algo de comum: o delinquente só reconhece a vítima como um corpo do qual se pode arrancar o que se quer sem reconhecer a sua dor, a sua vontade, a sua capacidade de sentir e pensar. Se ficasse em casa – em vez de contestar, em vez de lutar, em vez de existir – nada disso teria acontecido.

A cada 11 minutos, um caso de estupro é notificado no país, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O número é subestimado – boa parte das vítimas tem receio, medo ou vergonha de fazer a denúncia.

Muitos dos crimes acontecem dentro de casa e são praticados pelas pessoas mais próximas – o vizinho, o tio, o pai, o marido. Muitas das vítimas são adolescentes. Quando decidem falar, passam por uma bateria de perguntas para provar que não se trata de um delírio – marmanjos do Congresso querem orientar a vítima a procurar a delegacia antes de buscar ajuda no hospital para que ninguém saia por aí delirando dizendo em voz alta o que ninguém, em consciência, tem orgulho de relatar.

Quando o crime é comprovado, a loucura, sempre ela, é a justificativa para a barbárie, sempre ela, para justificar os crimes da civilização.

Nas rodas de conversa, os homens de família, desconfiados das intenções de quem sai às ruas em protesto contra a tal cultura do estupro – só podem ser partidários deste ou daquele governo; só podem estar tentando chamar a atenção; só podem estar levando algum – demonstram valentia para tratar dos criminosos. Prisão perpétua. Pena de morte. Estupro corretivo.

No grupo de mensagens instantâneas, compartilham as ideias para salvar o mundo dos bárbaros com as velhas piadas dos tempos do fundão da sala. Compartilham também vídeos e comentários a respeito da novinha da vizinhança. Da sweet child da novela. A piada do humorista metido a militante. E do militante metido a humorista. O comentário político segundo o qual a ideia de representatividade é bobagem – o critério deve ser a competência, e competência, ensinam os filósofos desde a Antiguidade, tem gênero.

O que não pode ter gênero é a ideologia – já pensou o horror se os professores começarem a dizer, em sala de aula, que meninas podem ter os mesmos direitos e anseios dos meninos? Que elas não estão condenadas à servidão, ao confinamento do lar, à obediência, aos cuidados com o vestido, com os cabelos ou com as ervilhas debaixo do colchão? Já imaginou se, em vez de transtornos, desenvolvem a autoestima em sala de aula? E as ferramentas para rebater quem tenta, de cima para baixo, referendar hierarquias desde o nascimento até o mercado de trabalho, passando pelas relações afetivas e familiares? 

Melhor tirar o horror da vista. Chamar de barbárie. Atribuir ao baile funk, à favela, à ausência de valores desses pontos fora da curva que saíram da proteção da civilização por sua conta e risco.

Nas últimas semanas, o Brasil se assustou ao saber que tudo aquilo que sempre ocorreu debaixo dos panos agora é gravado, viralizado e exibido como troféu. Falta entender o que não está no vídeo. O primeiro passo é deixar de atribuir à "loucura" tudo o que criamos e não ousamos reconhecer.

A pele que habito

Posted: 03 Jun 2016 09:09 AM PDT

É em torno dos múltiplos significados do corpo que se desenvolve a nova coreografia a ser apresentada pelo Balé da Cidade de São Paulo na temporada de quarta 8 a domingo 12 no Theatro Municipal de São Paulo. Corpus surge inspirada em livro homônimo do filósofo francês Jean-Luc Nancy e propõe refletir sobre o corpo desvinculado da anatomia.

"É um ensaio filosófico sobre o mundo e a vida", explica o coreógrafo português André Mesquita. O palco paulistano recebe ainda Adastra, do catalão Cayetano Soto, e Balcão de Amor, do israelense Itzik Galili, ambas apresentadas com sucesso na turnê europeia deste ano do Balé da Cidade.

Para Mesquita, Corpus é uma peça coreográfica sobre a pele, representada por 13 homens e 11 mulheres durante 30 minutos. A grande quantidade de bailarinos no palco, alternando-se em solos, trios e grandes blocos humanos, favorece a criatividade, acredita a diretora artística da companhia, Iracity Cardoso.

O coreógrafo convidado recorre ao livro de Nancy para voltar às palavras originárias dos movimentos. "Um corpo é uma imagem oferecida a outros corpos, um conjunto de imagens relacionadas, de cores, sombras locais, fragmentos."

Corpus, Adastra e Balcão de Amor. Balé da Cidade de São Paulo. Theatro Municipal de São Paulo. De 8 a 12 de junho.

A relação de Mesquita com a companhia paulistana começou em 2011, quando criou Cidade Incerta. Vieram em seguida Livro do Desassossego, obra inspirada em Fernando Pessoa, e em 2014 a ópera Salomé, de Richard Strauss. Em Corpus, quem executa a trilha de Hector Berlioz e Glaucio Zangheri é a Orquestra Experimental de Repertório, regida por Carlos Moreno.

O caminho trilhado até a conquista de objetivos pessoais é a matéria-prima do espanhol Soto no balé cujo nome advém da expressão latina ad astra, até as estrelas. "Adastra é uma filosofia de vida, um ponto de reflexão."

O aplauso caloroso recebido pela companhia em apresentações na Espanha e Alemanha comprova o sucesso da coreografia de combinações improváveis e equilíbrios quase impossíveis. Em Balcão de Amor, o tom é outro. Impulsionados pelo som contagiante do cubano Perez Prado, o rei do mambo, os bailarinos se abrem para o humor. Na coreografia de Galili, o absurdo e o hilário se combinam num delicioso jogo de movimentos. 

Michel Temer atola

Posted: 03 Jun 2016 06:59 AM PDT

Lá se foram os 31 dias de maio, 19 deles sob a vigência do governo provisório de Michel Temer, iniciado no dia 12 deste mesmo mês. Nesse período, curtíssimo período, a administração do vice-presidente ganhou marcas notórias. A mais visível delas é o ressurgimento de um reacionarismo exasperado imposto pela base do Congresso. Mais precisamente, pelo emergente e poderoso "baixo clero".

Essa é a linha divisória traçada entre a presidenta Dilma Rousseff e o vice Michel Temer.

A presença dela no governo abafava, tanto quanto possível, a influência conservadora do Congresso. Dilma impunha, em contraposição à maioria adversária, pautas atentas mais diretamente às questões sociais.

Na votação do impeachment na Câmara, ela pagou o preço por isso.

Com Temer, a roda passa a girar ao contrário. Ele segura a batuta. Muitas coisas, porém, são sopradas das coxias para o "maestro" por Eduardo Cunha, figura carimbada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, como suspeito de corrupção e lavagem de dinheiro.

O governo temporário está atolado em problemas e em dilemas. Acovardado, joga todos os erros na conta de Dilma. Impiedosamente, mira sua fúria nos programas sociais. Desnorteado. Zureta. Suspeito. 

As revelações despejadas das gravações clandestinas, produzidas por Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, expuseram a intensidade das relações promíscuas entre integrantes dos Três Poderes. Diálogos revelados pelos "grampos" de Machado comprovam com poucas palavras a trama do golpe, até agora vitorioso, para afastar Dilma e sufocar a Operação Lava Jato.

Renan Calheiros
A maior contribuição para as campanhas de Calheiros veio de Sérgio Machado (Foto: Geraldo Magela)

Por mais de 12 anos Machado abasteceu com dinheiro, muito dinheiro, as eleições das figuras mais importantes do PMDB. Mas atendia prioritariamente a Renan Calheiros, hoje presidente do Senado.

Essa corrupta barafunda projetou a cúpula do partido com Temer, Renan, Cunha e Jucá, entre outros, que têm sob controle a força majoritária do Congresso.

Michel Temer, presidente em exercício, acomoda-se bem a essa velha situação acondicionada em nova embalagem.

"O Michel é Eduardo Cunha", diz num dos "grampos" o senador Romero Jucá, primeiro degolado do governo provisório. Oficialmente, Jucá perdeu o posto de ministro. Informalmente, mantém ainda forte influência junto ao provisório presidente da República.

Há um mar de lama controlado pelo PMDB. Sob as ordens dos peemedebistas funciona a força majoritária do Congresso, por sinal, o mais reacionário dos últimos 50 anos da República. Em poucas palavras, essa grande maioria repudia a luta ambiental, reage aos movimentos sociais e se lixa para os direitos humanos. Talvez até torça para que os indígenas saiam definitivamente de cena. Indícios existem nesse sentido.

O Diário Oficial da União do dia 2 de junho publicou a nova estrutura do Ministério do Esporte. Foi para o espaço a Coordenação-Geral de Povos Indígenas, Comunidades Tradicionais e Diversidades.

É mais um ataque aos projetos de inclusão social. Nesse caso, a secretaria foi extinta. Os indígenas sobrevivem.

O Judiciário manda

Posted: 03 Jun 2016 06:59 AM PDT

O Poder Judiciário ergue o tom de voz, pretende mostrar a que veio e aonde quer chegar no mesmo momento em que o poder parlamentar, em cujas sedes o golpe progrediu até o afastamento de Dilma Rousseff, complica-se com as gravações de Sérgio Machado e as reações ao pacote do ministro Meirelles. Sem contar a ameaça iminente das delações da Odebrecht e de Machado Júnior.

E aí se encaixa o indiciamento do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, e de mais dois altos executivos da instituição, e outros seis cidadãos pretensamente envolvidos em uma trama criminosa.

O caso do Bradesco é exemplar da situação em que o golpe em marcha mergulha o País. O banco tem uma tradição digna e sempre foi válido suporte da indústria brasileira. Este enredo mostra que no Brasil os corruptos levam a melhor contra quem não se deixa corromper.

Os fiscais nativos não são flores de orquidário, isto é do conhecimento até do mundo mineral. Desta feita, decidiram achacar o Bradesco por razões que não excluem a chantagem, a ponto de se prontificarem a sugerir a entrada em cena de certo grupo de lobistas, capacitados a encontrar uma solução favorável a todos, com exceção do próprio Fisco e do cofre do Estado.

O Bradesco rejeitou a sugestão, mas os fiscais voltaram à carga: exigiam uma multa de 3 bilhões de reais. O banco propôs um acordo ao Carf, foi negado por 6 a 0.

Ao contrário do alegado pelo indiciamento da Polícia Federal, habilitada a tanto pelo Ministério Público, Trabuco nunca participou de encontros com os lobistas, tampouco se dispôs a usar-lhes os préstimos.

Inclino-me a crer que incomodam togas e polícia as boas relações que o presidente do Bradesco mantém com Luiz Inácio Lula da Silva. Foi quem, aliás, sugeriu a Dilma, logo após a reeleição, chamar Trabuco para o Ministério da Fazenda.

Há mais a exibir o açodamento do Poder Judiciário, que hoje substitui os tanques de outrora pelas indômitas e obedientes coortes da Polícia Federal. Assume a ribalta o costumeiro Sergio Moro, que se nega a selar acordo de delação com Leo Pinheiro, presidente da OAS.

Por quê? Simples, simples demais. Porque Pinheiro insiste em inocentar Lula nos casos da reforma do fantasmagórico triplex na praia dos farofeiros e do sítio de Atibaia cercado pela favela. Cabe, desta vez, invocar até a memória do mundo mineral: o ex-presidente preferiu não ficar com o triplex e a OAS poderá vendê-lo a quem se dispuser a passar seus fins de semana em meio a piqueniques na areia.

Quanto ao sítio, não há cartório em que se prove ser propriedade dos Lula da Silva, e Pinheiro tem todo o direito de afirmar que a reforma, de pouca monta, foi presente de amigo.

Fatos deste naipe afirmam a força de que se sente investido o Poder Judiciário, e, no comando da política brasileira, o juiz curitibano. Consta que, ciente dos riscos a cercá-lo, o presidente interino Michel Temer se prepara a tecer loas à Lava Jato no seu próximo discurso, para reparar os estragos provocados pelos grampos de Sérgio Machado, de gravador escondido no bolso do paletó. 

Uma história mal contadaou, como confiar no propagandista da Folha?

Uma peça encenada em São Paulo no teatro do Tusp pela Companhia do Latão, O Pão e a Pedra, refere-se a um episódio da greve dos metalúrgicos de São Bernardo e Diadema em 1979. Por dois dias, o presidente do sindicato, Luiz Inácio da Silva, melhor conhecido como Lula, teria abandonado os companheiros por dois dias enquanto a ditadura investia contra os grevistas.

O assunto empolga um dos propagandistas que com suas colunas enfeitam a Folha de S.Paulo, Mario Sergio Conti. Trata-se de alguém habilitado a esquecer o fato em proveito da sua versão. Não assisti à encenação e me limito a transcrever a seguinte passagem do texto de Conti: "Reapareceu (Lula) para, contra o ímpeto dos grevistas, fazer com que voltassem às fábricas e engolissem um acordo danoso".

A revista IstoÉ que então eu dirigia, dedicou mais de uma capa às greves de São Bernardo e Diadema em 1978, 79 e 80. Nas duas primeiras paredes, Lula negociou com os patrões com o apoio dos seus comandados. Situações que tais impõem concessões recíprocas em busca do acordo.

Não consta que o de 1979 tenha sido danoso, de fato a popularidade do presidente do sindicato não arrefeceu. No ano seguinte, chegou ao auge. A repressão foi feroz com o emprego de brucutus, helicópteros de guerra, tropa de choque armada até os dentes.

A greve só terminou com a prisão de Lula, que logo mais acabaria enquadrado na chamada Lei de Segurança Nacional.

Não sei quais similitudes a peça pretende expor com a situação que vivemos desde a reeleição de Dilma Rousseff. A Companhia do Latão tem fama de competente e engajada no melhor sentido. Inconfiável, certamente, é o propagandista da Folha.

A autonomia excessiva da PF é perigosa, diz Luís Antônio Boudens

Posted: 03 Jun 2016 12:34 AM PDT

As gravações do ministro licenciado do Planejamento, Romero Jucá, nas quais ele explicita um pacto para deter a Lava Jato, reacenderam uma disputa entre agentes e delegados da Polícia Federal. Por meio de sua associação nacional, os delegados aproveitaram o caso para denunciar as "tentativas de interferência política" e defender a aprovação da PEC 412, a prever autonomia financeira e administrativa à PF.

Representados pela Federação Nacional dos Policiais Federais, os agentes rejeitam a proposta, por entender que a iniciativa visa fortalecer ainda mais a figura do delegado, a quem estão reservados os postos de comando da corporação.

Na entrevista a seguir, Luis Antônio Boudens, presidente da Fenapef, expõe os riscos da autonomia excessiva a um braço armado do Estado, além de defender uma proposta que acaba com a divisão entre as carreiras de delegado e agente, modelo inspirado na estrutura do Federal Bureau of Investigation (FBI), a prestigiada polícia norte-americana. "Nenhum concurso público habilita um chefe."

CartaCapital:  O risco de interferência política na Lava Jato é real?

Luis Antônio Boudens: Na verdade, todos os movimentos contrários à investigação tiveram efeito oposto ao desejado. Cai o político e a Lava Jato prossegue. O caso de Jucá é emblemático. A PF possui o suporte necessário para não haver interferência política. Temos um ciclo investigativo sistematizado, é praticamente impossível um político intervir sem se expor. Temos, portanto, autonomia investigativa.

CC: Os delegados aproveitaram a repercussão do caso para defender a PEC 412, que propõe a autonomia administrativa e financeira da PF.

LAB: Sim, eles procuram explorar qualquer evento político, qualquer vazamento dessas tentativas de interferência. É um movimento claramente corporativo, para fortalecer o cargo de delegado. Não por acaso, 90% dos policiais federais são contra a proposta. O texto original prevê dotar o órgão policial de mais poder, mas ele não será distribuído para toda a PF, ficará restrito a um grupo. Por si só, a proposta é perigosa por dar autonomia excessiva a um órgão armado, que poderá agir como bem quiser, a seu bel-prazer. Pior: afasta o controle externo da atividade policial exercido pelo Ministério Público. Não bastasse isso, descobrimos a existência de um substitutivo com ameaças ainda mais graves.

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Boudens preside a Federação Nacional dos Policiais Federais

CC: Que ameaças são essas?

LAB: O substitutivo prevê a possibilidade de o delegado pleitear diretamente à Justiça, sem o controle do Ministério Público. Uma medida cautelar, como a prisão preventiva, poderia ser requisitada diretamente ao juiz. Também abre a possibilidade de a direção da PF propor diretamente ao Legislativo a criação e extinção de cargos.

Com forte lobby no Congresso, os delegados podem reestruturar completamente a PF sem uma discussão mais ampla, até porque há a possibilidade de projetos tramitarem na Câmara e no Senado em caráter conclusivo ou terminativo, sem debate nos plenários das Casas. Foi o que aconteceu com a Lei no12.830, de 2013, a estender aos delegados de polícia o mesmo tratamento protocolar dispensado aos magistrados. Em Minas Gerais, um delegado chegou a devolver um boletim de ocorrência, preparado pela Polícia Militar, porque não lhe foi atribuído o tratamento de "Vossa Excelência".

CC: Essa autonomia pretendida existe em outras nações?

LAB: Não existe paralelo no mundo com essa formatação. A intenção de garantir autonomia orçamentária é justa, até para evitar que uma operação não seja prejudicada por cortes de verbas. Mas é possível criar um dispositivo legal, como existe nas áreas da Saúde e da Educação, para preservar o orçamento da PF. Mas dar autonomia completa sobre a gestão desses gastos é absurdo, não existe em nenhum lugar.

CC: O que os agentes da PF pretendem com a PEC 361?

LAB: A proposta é criar uma porta única de entrada. Dessa forma, o crescimento do policial se dará por mérito, experiência e capacitação. Pretendemos resgatar o perfil policial, que se perdeu ao longo do tempo. Muitos enxergam a PF como trampolim para outras carreiras. Nosso concurso público é um dos mais caros e longos do País. A média de gastos por policial formado é de 100 mil reais. Muitos ficam interessados no salário inicial e na projeção da carreira, mas, quando ingressam, ficam desiludidos, não demoram a perceber a prevalência de um cargo sobre os demais.

Os peritos, por exemplo, precisam ter autonomia para o trabalho técnico e científico, mas estão sob o controle dos delegados, não podem fazer nada sem requisição formal. Outro problema é a lotação dos cargos. É comum enviar recém-formados para as fronteiras do Brasil. Um delegado novo pode ser destacado para Vilhena, em Rondônia, e chefiar um posto de fronteira sem a menor experiência. Não é raro ver novatos na chefia de agentes com mais de 20 anos de carreira, alguns deles com formação em Direito ou em outros cursos superiores, com pós-graduação.

CC: Como é organizado o FBI? O diretor do bureau é um ex-agente?

LAB: No FBI, a atividade-fim, de investigação, é carreira única. O diretor é alguém que ingressou como agente especial e galgou postos até chegar ao comando. Também há carreiras paralelas, mas na área administrativa. Precisamos dar maior eficiência à PF. Hoje, apenas 4% dos inquéritos instaurados são convertidos em denúncias pelo Ministério Público.

Um passo fundamental é construir uma carreira justa, com uma porta única de entrada, capaz de atrair quem realmente deseja ser policial. Hoje, afastamos esse perfil ao exigir uma formação inicial que muitos não podem alcançar por vontade própria. Em vez disso, contratamos "almofadinhas" do Direito sem a menor vocação para a função, muito menos para liderar. Nenhum concurso público habilita um chefe. 

O rami-rami golpista está a tirar-nos a atenção do que passa no planeta

Posted: 03 Jun 2016 12:34 AM PDT

"O capitalismo está morrendo de overdose" (Paulo Arantes, em "Caros Amigos")

Enquanto "dormia a nossa pátria mãe tão distraída sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações" (Chico Buarque), as elites da Federação de Corporações trabalhavam em nova adaptação da tragédia shakespeariana, Romeu e Julieta.

Título definido, "Grampo e Delação", procura-se apenas final feliz, diferente da desgraça que o bardo inglês reservou aos filhos das famílias Capuleto e Montecchio.

Sugiro submissa Delação, ajoelhada aos pés do Grampo, implorando: "Oh amor, dê-me logo o prêmio. Grampeie-me quanto quiser, mas cuidado com os vazamentos". Cogitado para o papel masculino, Alexandre Frota se disse muito ocupado com seus afazeres no Ministério da Educação.

Parece que brinco? Brinco não. Se não perceberam o cheiro da podridão de fossas humanas revolvidas por um sistema econômico em estridente decomposição, acreditem-se corretos e felizes como os avestruzes. Diz a lenda que diante do perigo, mesmo sendo as maiores aves do planeta, eles enfiam a cabeça num buraco do solo para não ver o que vai dar. É provável que o rami-rami golpista no Brasil está a tirar-nos a atenção do que se passa no planeta.

Declínio e concentração no setor manufatureiro, encolhimento das classes médias, aumento da pobreza, violência criminal e tráfico de drogas, lutas e êxodos étnicos, atentados terroristas, cidadãos invisíveis para o bem-estar em aglomerados urbanos.

Se ainda não o perceberam, escolham melhor suas leituras e audições. Há pelo menos três décadas, historiadores e cientistas sociais já vaticinavam o mau caminho. Um porvir onde não mais trataríamos somente da polarização entre a hegemonia dos países ricos e a penúria em regiões de pobreza.

Afora quem se dedicasse à especulação financeira, generalizar-se-ia (desculpem, a interinidade da mesóclise) a perda da soberania dos Estados, em suas preocupações com o bem-estar social e a cidadania.

Antes de sua morte, em 1994, aos 62 anos, o historiador norte-americano, Christopher Lasch, acabara de publicar The Revolt of the Elites and the Betrayal of Democracy (W.W. Norton & Company, New York – London). Para a língua portuguesa, caberiam duas traduções: uma literal, A Revolta das Elites e a Traição da Democracia; outra premonitória, O Golpe Brasileiro de 2016.

Vinte e dois anos atrás, Lasch já sentia o crescente fedor da podridão do sistema dominante, invertendo o sentido da obra maior do filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955), A Rebelião das Massas, de 1926.

Em extenso estudo, Lasch via as elites financeiras e que produzem e manipulam informações, diferentemente de seus predecessores, fora do contato com o povo, pensando dele não precisarem mais. Ao povo restaria entregar-se às religiões e tecnologias, a elas agradecendo prendas e implorando perdão.

No mesmo sentido, em Globalização, Democracia e Terrorismo (Cia das Letras, 2008), outro excepcional historiador, nascido em Alexandria, Egito, mas de nacionalidade britânica, Eric Hobsbawm (1917-2012), advertia para final semelhante.

Em seus extremos escritos pós-1980, sempre viu a globalização como expansão imperialista que resultaria em concentração de renda, aumento da pobreza, desemprego e conflitos étnicos. Neoliberais o desconsideravam, por marxista.

Pulo, então, para a área que penso entender pouco mais. A agropecuária e seus desdobramentos nos agronegócios. É por aí que gira meu mundo profissional. Em semanais Andanças Capitais através de produção familiar, segurança alimentar, preservações ambiental e social, potências produtoras e exportadoras.

Infelizmente, nem todos concordam, mas nosso produtor de commodities agropecuárias é uma mosca tonta que a um peteleco certeiro morre. Seu funesto destino poderá ser determinado pela queda das cotações nas bolsas internacionais, pelos escandalosos subsídios e barreiras tarifárias nos EUA e Europa, a manipulação das tradings, as grandes fabricantes de sementes, fertilizantes e agrotóxicos, ou mesmo por países emergentes que não sabem fazer valer seus biomas e recursos naturais, como os iludidos "Berrantes Caiados", encastelados na casa-grande brasileira.

Qualquer desses desastres, cada vez mais iminentes no planeta, fará os produtores rurais contarem apenas com o Tesouro de um país ora quebrado e protetor de quem aplica ou "aplica" no mercado rentista.

Disso não escapará nem mesmo o agricultor familiar voltado aos produtos para o mercado interno. O novo modelo econômico não mais apostará no consumo das famílias e nos programas sociais. Os arrochos que virão ser-lhes-ão fatais. Vocês, patos amarelos, pediram.

Poucos de meus leitores, caboclos, campesinos, sertanejos e ruralistas, parecem entender o que está acontecendo com seus tradicionais indutores de produtividade.

Desde as décadas de 1980/1990, os movimentos contracionistas da oferta começaram a se aproximar do setor de insumos para as produções animal e vegetal. Desnacionalização e concentração.

No plano interno, sempre em estado de perrengue econômico, aceitou-se a falácia de que o Estado não tinha capacidade de bem gerir o setor de adubos. Mesmo tecnicamente quebradas, as empresas do setor, com o auxílio luxuoso do pandeiro BNDES, privatizaram a produção estatal.

Nada investiram em aumento de capacidade. Quando o consumo explodiu, a importação voltou a predominar (hoje, perto de 80% de dependência), e a competitividade internacional os fez devolverem tudo para o domínio do Estado e de multinacionais.

O setor agrícola, beneficiado por conquistas tecnológicas, boa demanda asiática e preços, absorveu o golpe. Continuou aumentando o consumo a taxas aceleradas. Aos produtores de alimentos para o mercado interno coube continuar acompanhando a gangorra cíclica que faz William e Renata, no Jornal Nacional, tomarem ar de grave preocupação.

É ruim, mas nada perto do que virá. Tanto fora como no Brasil, ocorre batalha acirrada para dominar a produção e distribuição de tecnologias de sementes geneticamente modificadas, novas moléculas para controle de pragas e doenças de incidência cíclica, e vantagens no comércio exterior.

A norte-americana Monsanto quis comprar a suíça Syngenta. Veio a chinesa ChemChina e com US$ 42 bilhões a arrematou. A Dow Chemical e a Dupont fizeram fusão. A Monsanto tentou a Bayer. A germânica devolveu com US$ 62 bilhões e deverá levar seus ativos, mesmo arriscando-se à carapuça da vilania.

Negócios menores, mas estrategicamente importantes, se multiplicam no jogo da dominação da venda de tecnologias agrícolas. Canadenses, marroquinos, chineses, indianos, holandeses, nos últimos anos, adquiriram participação em empresas nacionais de fertilizantes.

Por quê? Simples. Casas, pontes, veículos, minérios, internet, trilhos, energia fóssil, e tantos outros itens, podem ser valiosos, mas não enchem o pandulho das massas, fidalgos e cortesãs.

Um bom bacalhau, com receita do Márcio Alemão, supera qualquer fome, dá prazer e sobrevivência. Vinhos, desde que você goste, mesmo sem pontuação RP, ele também recomenda.

Comer é para sempre. Vale a disputa. A quem produz restará escapar das armadilhas. Estudem alternativas naturais e orgânicas. Temos aos montões. 

Tiro de guerra

Posted: 03 Jun 2016 12:34 AM PDT

Logo cedo bati os olhos no jornal e vi a fotografia em preto e branco do capitão do Exército Carlos Lamarca, no meio do mato, treinando uma bancária a dar tiros certeiros com um fuzil.

Notícias desencontradas davam conta que Lamarca havia desertado do Quartel de Quintaúna, perto de São Paulo, junto com o sargento Darcy Rodrigues, o cabo José Mariane e o soldado Carlos Alberto Zanirato.

Há quatro dias, ele estava desaparecido. O quartel tinha dado falta, além de Lamarca, do sargento, do cabo e do soldado, também de 70 fuzis FAL, dez metralhadoras, duas bazucas e muita munição. O clima no Brasil estava pesado demais.

Três dias depois, naquele janeiro de 1969, enquanto Carlos Lamarca se organizava para passar o verão no sertão baiano, montar o seu quartel general e enfrentar o regime militar, eu preparava a minha mochila.

Era uma mochila de couro de bode comprada no Mercado Modelo de Salvador e que ainda fedia muito. Minha mãe havia me aconselhado a deixá-la no sol por alguns dias para que aquele cheio desaparecesse. Ficou dependurada no varal do terreiro da minha casa um bom tempo, mas o cheiro não sumiu.

Dentro dela, coloquei uma capa de chuva de plástico duro, uma camiseta, uma cueca, um boné - brinde do Posto Fraternia - alguns pacotes de biscoitos Mirabel, uma garrafa de água mineral São Lourenço de vidro, uma escova e uma pasta de dente Kolynos.

No segundo compartimento da mochila, enfiei um exemplar da revista Realidade com a última batalha do câncer na capa, um exemplar do Diário de Minas, o livro Eram os deuses astronautas, de Erich von Däniken e minha carteira de identidade.

Carlos Lamarca já se sentia mais ou menos seguro em barracas de lona instaladas entre cactos e pequenos cajueiros, quando peguei a BR-3 rumo a Ouro Preto. Fui caminhando e cantando canções do disco Rosa dos Ventos, de Maria Bethânia, canções que sabia de cor.

As sombras são/assombrações/as vibrações/a sombra e o som/da amada/da visitante/imaginada/teu ventre invento/e o teu silêncio/é o som de uma celesta/nos mangues frios/caligrafia/da mecânica celeste

A minha decisão de ir à pé de Belo Horizonte até Ouro Preto foi tomada uma semana antes, quando recebi em casa uma convocação para me apresentar para o Serviço Militar. Por nada desse mundo eu entraria para o Exército Brasileiro, naquele janeiro de 1969. Nem obrigado. Pensei até em fugir para Estocolmo para colher morangos ou para Havana, plantar cana.

Procurei me informar e soube que o peso mínimo para estar apto para o Serviço Militar era 50 quilos e eu estava com os meus 51 quilos e 200 gramas bem pesado na farmácia do Hormínio, na Rua Grão Mogol. Pensei com os meus botões que indo à pé até Ouro Preto perderia esses quilos e seria dispensado.

O meu tênis Bamba estava meio estropiado mas mesmo assim, tinha certeza que ele aguentaria chegar inteiro a Ouro Preto. E fui caminhando. Sabia que tinha 97 quilômetros pela frente, algumas serras, pedras no caminho e muita poeira vermelha de minério no acostamento estreito e perigoso.

Cheguei a Ouro Preto um farrapo. Sentei no chafariz da pracinha principal, joguei uma água fria na cabeça, tirei o tênis Bamba e coloquei os pés inchados pra cima. Não tinha tempo a perder nem quilos a ganhar. Na rodoviária, comprei uma passagem de volta para Belo Horizonte e voltei, cochilando.

Sete horas da manhã já estava de prontidão na porta da Quarta Região Militar para me apresentar. Como os militares seguiam a ordem alfabética, fui um dos primeiros a ser chamado. Um sargento, cara do sargento Tainha, mandou que todos tirassem a roupa e subissem, um a um na balança. O peso era o primeiro teste.

Quando eu e meus ossos subimos naquela balança branca e enferrujada, ele jogou uns pesos pra lá e pra cá e disse pro subalterno: "Quarenta e nove exatos". Vesti minha roupa, fui colocado de lado e chamado para bater carimbos em certificados militares.

Depois de quase uma hora batendo carimbos com o nome do Major Chefe da Terceira Seção, Dario da Fonseca Ferreira, recebi o meu.

Lá estava escrito: "Dispensado do Serviço Militar inicial em 1969 por insuficiência física temporária para o Serviço Militar podendo exercer atividades civis".

Fiquei sabendo que além dos 59 quilos, eu tinha 1.70 metros de altura, a cútis clara, os olhos verdes, os cabelos castanhos, o tipo sanguíneo GR A RH Positivo e nenhum sinal particular.

Nenhum sinal particular do lado de fora porque, do lado de dentro, eu tinha uma cicatriz profunda dos militares que caçavam, prendiam, torturavam e sumiam com os meus amigos, pra nunca mais.

 

A hecatombe suave da paulistana Marina Melo no disco "Soft apocalipse"

Posted: 03 Jun 2016 12:34 AM PDT

Aos 25 anos, após estudar canto desde os 17, a paulistana Marina Melo estreia em disco no qual conjuga a emissão certeira, cortante, com a língua afiada de suas letras.

O título paradoxal – é possível uma hecatombe suave? – sinaliza a postura iconoclasta da cantautora, mesmo quando aborda temas exauridos, como a Saudade, da faixa de abertura.

Absurda, vietnamita, suingada, zoada de saudade/ parafina, palafita, verdade: saudade em álcool gel, enumera, entre diatribes como ando mijando na saudade, escorraçando a saudade a pontapé, pontuadas por bateria, numa escala da delicadeza à exacerbação.

Mais estranhamento escorre da Valsa da Barata, a propósito da cena insólita do inseto pousado no cabelo de uma cantora em plena performance. Eu não posso te avisar/ fazer você parar/seria interromper o big bang/ calar a boca da cachoeira/ paralisar a ventania, metaforiza a letra.   

O compositor maranhense Zeca Baleiro participa de Adultos, com resposta de coro, que discute signos sociais (adulto não sorri pra adulto/ de graça no meio da rua), enquanto o furioso rock Laura, escrito na semana da propagação do hashtag #meuprimeiroassédio, fustiga, sem eufemismos, a violência contra a mulher: quando você rasga uma/você rasga todas nós.

Soft apocalipse. Marina Melo, Alcachofra Records

Pelo viés do humor, o baião Dever Cívico (e você tem que comemorar/ tá chovendo na hora do rush) esgarça a crise hídrica paulista dos últimos dois anos. Produzido pelo multinstrumentista Gabriel Serapicos, o CD esculpe um perfil de intérprete autoral com diversificado domínio estético.

Do blues desafiador (Dinheiro) aos ditados de ponta-cabeça em Desditos e a desapropriação em Ra-paz, do mote de A Paz, de João Donato e Gilberto Gil, Marina atesta sua vocação programática de enxergar o mundo pelo avesso. 

 

Maranhão em chamas

Posted: 03 Jun 2016 12:34 AM PDT

Entre novembro e dezembro de 2013, uma série de confrontos entre as facções Primeiro Comando do Maranhão e Bonde dos 40 no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, a 30 quilômetros de São Luís, resultou em 22 mortes.

As imagens gravadas por presos enquanto celebravam a decapitação de rivais chocaram o País e levaram a Comissão Interamericana de Direitos Humanos a exigir ações contra as violações no presídio, entre elas a adoção de medidas para impedir novos homicídios e a redução imediata da superlotação

Atônita com a divulgação das imagens e a revelação da morte de mais de 60 detidos de Pedrinhas naquele ano, a então governadora Roseana Sarney conjecturou sobre a onda de violência: "Um dos problemas que estão piorando a segurança é o estado estar mais rico".

Após mais de dois anos, a ação do crime organizado em Pedrinhas volta a se manifestar publicamente, desta vez não por vídeos macabros, mas por ataques pirotécnicos ao transporte público da capital.

Até o momento, 16 ônibus foram alvo de tentativas de incêndio em diferentes locais da região metropolitana de São Luís. Cinco tiveram perda total. Coordenados pelo Bonde dos 40, os ataques são o primeiro grande teste para a segurança pública do governador Flávio Dino, do PCdoB.

Ao menos no discurso, a premissa é oposta àquela da antecessora: "A negação total de direito e de oportunidades gera uma massa, quase um exército industrial de reserva, para essas quadrilhas", afirmou Dino em uma reunião para avaliar as ações de combate aos incêndios na terça-feira 24.  

Apesar do discurso socialmente sensível, o governo respondeu duramente aos ataques: 131 integrantes da Força Nacional de Segurança Pública chegaram a São Luís na terça-feira 24 para auxiliar as autoridades locais.

Na mesma data, foi definida a presença de três policiais militares em cada ônibus que circula na zona rural de São Luís, além de um reforço policial nas principais vias da capital. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, foram presos mais de 30 integrantes da facção e não houve registro de novos ataques a partir da chegada da Força Nacional.  

Ao apontar os motivos para a onda de ataques, o governo interpreta os incêndios como uma consequência de ações bem-sucedidas para conter o crime organizado em Pedrinhas. Por outro lado, entidades de direitos humanos apontam para a continuidade das condições precárias no presídio, marcado pela superlotação, insalubridade e baixa qualidade da alimentação. 

Segundo Jefferson Portela, secretário de Segurança Pública, o maior controle sobre os presos resultou na resposta violenta da facção nas ruas. "Eles queriam o retorno a regras da gestão anterior, quando os presos tinham liberdade para ficar soltos no pátio", argumenta. "O novo governo impôs o uso obrigatório de uniformes e refez o gradeamento de todas as celas."

Pedrinhas
As más condições do presídio podem estar por trás dos ataques

 

Além do endurecimento das ações em Pedrinhas, Portela afirma que o aumento das operações contra o narcotráfico foi determinante. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, foram apreendidos quase 1 tonelada de maconha e derivados de cocaína no Maranhão em 2015, ante pouco mais de 300 quilogramas em 2014.  

Para combater o alto número de confrontos em Pedrinhas, o governo Dino deu continuidade à manutenção de presos de facções rivais em setores distintos, estratégia utilizada a partir do último ano da gestão de Roseana. A primeira ala é destinada ao PCM, a segunda ao Bonde dos 40 e a terceira aos presos considerados neutros.

Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária, 97 presos fugiram e 17 foram assassinados em 2014. No ano passado, houve uma melhora significativa: foram registradas 27 fugas e quatro mortes. Em 2016, ainda não houve registro de homicídios. 

A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, responsável por monitorar as condições de Pedrinhas em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil e as entidades Justiça Global e Conectas, reconhece a diminuição nos extermínios, mas aponta para as más condições em Pedrinhas como motivo principal para os ataques.

Segundo lideranças da entidade, familiares de presos têm relatado situações de restrições de direitos e até mesmo casos de maus-tratos e tortura.

A morte recente de um auxiliar penitenciário, dizem os integrantes da sociedade, foi seguida de uma estratégia para ampliar a repressão e a restrição dos presos a benefícios, entre eles a entrega de alimentos por familiares. 

A baixa qualidade das refeições oferecidas em Pedrinhas é uma das principais críticas dos detidos. 

A separação das facções era prevista como uma solução transitória até a construção de novas unidades prisionais. "Os novos presídios estão sendo entregues tão lentamente que o crescimento exponencial da massa carcerária os torna obsoletos ainda na inauguração", analisa a entidade em nota a CartaCapital.

Na direção contrária à da recomendação internacional, a população carcerária de Pedrinhas saltou de 2,1 mil no início de 2014 para mais de 3 mil no fim do ano passado.

A separação das facções acaba ainda por concentrar presos provisórios e sentenciados em uma mesma ala, o que contraria a Lei de Execução Penal. "A estratégia comprometeu a progressão de regime e facilitou o recrutamento", acrescenta a sociedade.

Portela admite que as condições do presídio ainda deixam a desejar. "A realidade prisional do Maranhão é aquela que foi herdada da administração anterior. Estamos inaugurando novas unidades, mas convivemos com a superlotação, um problema nacional." Apesar dos ataques, o secretário defende a estratégia de isolamento das facções rivais.

Para os militantes de direitos humanos, novas disputas entre o crime organizado e o poder público devem ocorrer. "As facções parecem estar mais fortes do que antes. Elas estavam apenas em silêncio, desfrutando uma trégua momentânea." Resta saber se a crise de segurança enfrentada por Dino está próxima do fim ou apenas em seu início.