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segunda-feira, 21 de março de 2016

#Conspiração

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Até onde vai a abertura econômica de Cuba?

Posted: 21 Mar 2016 12:45 PM PDT

Por Andreas Knobloch, de Havana

Sol Martínez está sentada à sombra de sua casa, no bairro havanês de Vedado. Pensativa, ela observa o casal de turistas espanhóis que vai arrastando a mala barulhenta pelo asfalto.

A aposentada – que não quer ver seu nome real publicado nem no jornal nem na internet – está contente. Há já alguns anos ela aluga dois quartos no andar superior da casa. "Mas uma procura como esta agora, nunca vi. Em seguida, já vêm os próximos, um casal da Alemanha", comenta.

Tampouco Fran – que pega e leva com o táxi os hóspedes de Sol ao aeroporto – tem motivos por se queixar de falta de trabalho. "Ontem mesmo tive uma excursão até o norte da ilha, em Cayos. Depois de amanhã é em Viñales", conta, enquanto coloca a bagagem no porta-malas. O automóvel não é dele, que só o "opera", mas mesmo assim ele ganha tanto quanto um acadêmico com cargo fixo estatal.

Aluguel particular de quartos e dirigir táxi estão entre as atividades comerciais permitidas aos cubanos desde 2011. Ao todo, a lista contém quase 200 ramos profissionais – inclusive alguns exóticos, como recarregador de fluido de isqueiros.

Porém, é nos setores relacionados ao turismo que se pode ganhar bom dinheiro. Ainda mais desde dezembro de 2014, quando o presidente americano, Barack Obama, e o cubano, Raúl Castro, anunciaram um reinício das relações entre os dois países.

O Estado insular no Caribe representa um mercado comparável ao da Guatemala ou Porto Rico. "Vamos para Cuba, antes que cheguem os americanos", é o lema do momento. Visitantes de todo o mundo confluem para a ilha caribenha, também cada vez mais americanos dão um pulinho ao território até então proibido.

Só nos primeiros dois meses e meio de 2016, já foram registrados mais de 1 milhão de turistas, uma cifra recorde. Está difícil encontrar até hospedagem privada, por toda Havana novos bares e restaurantes parecem brotar do solo.

Há alguns anos Cuba vem realizando um cauteloso processo de abertura econômica: permitiu-se mais iniciativa privada e foi aprovada a lei que permite a empresas estrangeiras investirem em todos os setores empresariais cubanos.

O catálogo elaborado pelo governo inclui 326 possíveis projetos de investimento, com um volume total de 8,2 bilhões de dólares – da criação de galinhas à construção de parques de energia eólica, passando pela produção de vacinas. O interesse é imenso: há meses delegações governamentais e empresariais de todo o mundo fazem uma verdadeira ciranda em Havana.

O momento parece propício para o retorno de Cuba ao palco da economia mundial, quando o restante da América Latina se debate com escândalos de corrupção, desvalorização monetária e índices econômicos despencando. Mas, apesar de toda a euforia, investir em Cuba continua envolvendo dificuldades, e as empresas se queixam de entraves burocráticos e falta de segurança legal.

Na cidade portuária de Mariel, às portas de Havana, concretizaram-se 12 projetos desde a abertura da zona econômica especial, há dois anos. Lá ficam as sedes de três firmas que trabalham com capital nacional: uma companhia de logística, um banco e o terminal de contêineres de Mariel, erguido com créditos brasileiros e operado para PSA International, de Cingapura.

Além disso, até agora lá se estabeleceram um produtor de carne e um de tintas, mexicanos; uma firma de transportes belga; uma espanhola de gêneros alimentícios; uma construtora brasileira; e uma joint venture cubano-brasileira.

Pouco antes da visita de Obama, no domingo 20, o fabricante de tratores Cleber LLC, do Alabama, recebeu sinal verde para construir uma central de produção em Cuba, como primeira empresa americana em meio século. Assim, a partir de 2017 cerca de mil pequenos tratores sairão a cada ano de Mariel, para abastecer agricultores independentes e cooperativas.

Além da agricultura e do turismo, a biotecnologia e a farmácia parecem ser os setores com maior potencial. No entanto, medicamentos e produtos biotecnológicos cubanos ainda não podem ser exportados para os EUA, por causa dos embargos econômico, comercial e financeiro impostos pelo país e ainda em vigor.

No geral, a política de embargo de Washington é o maior obstáculo aos investimentos no Estado insular. Sol Martínez é uma que não confia totalmente nos americanos: "Eles que não fiquem pensando que podem fazer o relógio andar para trás 60 anos. Chegar e fazer dinheiro rápido – a coisa não é assim! Eles vão ter de obedecer às nossas regras".

Como turistas, os americanos são bem-vindos, é claro. "Se a demanda continuar crescendo, em breve nós vamos aumentar os nossos preços", diz a anciã, piscando o olho.

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"A Lava Jato não vai acabar com a corrupção"

Posted: 21 Mar 2016 12:05 PM PDT

A Operação Lava Jato ganhou notoriedade nos últimos meses por sua atuação contra grandes figuras do governo e empresários, atingindo o ápice do furor coletivo em março, com a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a divulgação dos grampos na noite anterior à nomeação de Lula para a Casa Civil.

Com isso, Sergio Moro, o juiz responsável pela Lava Jato, ganhou status de herói e muitos enxergam no magistrado e na operação a esperança de um fim definitivo da corrupção no País. 

Para Marcos Otavio Bezerra, professor da Universidade Federal Fluminense e autor do livro Corrupção: Um estudo sobre poder público e relações pessoais no Brasil, a realidade é outra.

Bezerra, antropólogo especializado nas relações entre Estado, política e corrupção, avalia que o Judiciário não tem aparato suficiente para transformar a estrutura que possibilita a corrupção.

CartaCapital: A Operação Lava Jato tem condições de acabar com a corrupção a longo prazo?
Marcos Otavio Bezerra: Não, com certeza a Lava Jato não vai acabar com a corrupção. Já deveríamos estar vacinados contra a expectativa de que uma ação pontual e espetacular como é a Lava Jato vá pôr fim à questão da corrupção, porque o Judiciário não tem instrumentos para propor uma reflexão e mudar as condições que favorecem o aparecimento das práticas corruptas.

A maioria dos processos de investigação de corrupção nestes moldes que já foram feitos no Brasil e em outros países não funcionou. Um caso exemplar nesse sentido é a Operação Mãos Limpas na Itália, em que a Lava Jato se inspira, e que não conseguiu encerrar a corrupção no país.

O que vemos agora é o Judiciário tomando a frente na investigação e publicando informações que, antes, eram trazidas a público pelas CPIs e pela imprensa em reportagens investigativas. E como a experiência já nos mostrou, não é a investigação de um caso ou de determinados atores sociais que vai resolver a corrupção.

Isso é até um problema porque a cada denúncia cria-se a expectativa de que a corrupção terá um fim assim que terminarem as investigações. Anos depois a gente se depara com novas investigações, isso cria uma frustração tremenda e dá a impressão de que a corrupção voltou, quando em verdade ela nunca desapareceu.

CC: Pode acontecer de surgir um "salvador da pátria" ou a corrupção ficar mais sofisticada como aconteceu após a Operação Mãos Limpas na Itália?
MOB: Essa é sempre uma possibilidade. Para evitar isso, as instituições nacionais e o próprio Estado precisam refletir sobre o que favorece essas práticas, e debater o modo de funcionamento do sistema político e a relação do Estado com a sociedade e a forma como a própria sociedade lida com a administração pública.

CC: Que medidas podem ser tomadas para evitar que a corrupção aconteça, em primeiro lugar?
MOB: Quando denunciam corrupção pública, estão dizendo "o Estado está sofrendo interferências econômicas, pessoais, familiares, e esse não é seu princípio fundante e não queremos que ele continue operando dessa forma", porque o Estado deve prezar pela imparcialidade, universalidade, e se sua legitimidade está assentada na ideia de atender o coletivo.

No entanto, atualmente, as próprias pessoas que denunciam e querem o Estado funcionando de outra forma também estão investindo na desconstrução do mesmo, falando sobre Estado mínimo. E nisso vem uma proposta liberal que investe na deslegitimação do Estado, funcionando como uma espécie de justificativa para a privatização. Há concepções de sociedade diferentes em jogo nessas denúncias.

Então as pessoas precisam ter uma compreensão mais adequada do que significa a corrupção e debater essa questão. E precisam ter clareza de que nos últimos anos isso virou, país afora, um grande tema de acusações e denúncias, um verdadeiro instrumento de lutas políticas, de acusações de um lado e de outro. Assim, as pessoas perdem a noção do que estão falando e fazendo.

Manifestação
Sergio Moro ganha apelo popular na esperança de pôr fim à corrupção

CC: E esse debate político em torno da corrupção tem acontecido?
MOB: Não há um debate sério sobre a corrupção no Congresso Nacional, que deveria ter incorporado isso como um elemento da sua agenda desde as manifestações de 2013. Deveriam trazer propostas de reforma política, pois o sistema político é uma fonte extremamente importante das irregularidades que se observam.

No plano da sociedade civil, tem iniciativas interessantes, mas não é o caso, por exemplo, do Movimento Brasil Livre e dessas entidades que hoje se organizam pela internet e estão à frente de muitas das manifestações anticorrupção.

Ali não há espaço para debate nenhum, é uma intervenção política, mas baseada em reação, não fazem ideia do que estão falando ou do que está em jogo no momento em que levantam a bandeira anticorrupção. É só uma reação a algo que os incomoda de fato, e com razão, mas não é um engajamento no sentido de elaborar propostas, de ter medidas.

E acho que não há, inclusive, uma reflexão sobre as suas próprias práticas cotidianas e sobre como elas agem diante de um conjunto de regras que são públicas, coletivas e que têm no centro a ideia do interesse comum.

É muito fácil acusar a alta corrupção, mas as mesmas pessoas que estão de bandeira na rua são capazes de oferecer dinheiro para um guarda, ao ser multado; são capazes de tentar fazer com que seus processos andem mais rápido em uma repartição pública; contatam conhecidos dentro das instituições quando querem ver seus problemas resolvidos mais rapidamente; encontram os amigos no âmbito da Justiça quando querem ter decisões favoráveis a seus interesses.

Há um conjunto de práticas cotidianas que colocam em xeque essa relação com o interesse público e isso incomoda muito pouco a maioria das pessoas. Não há uma descontinuidade entre essas práticas cotidianas que são aceitas e muitas daquelas que são constitutivas daquilo que se chama de corrupção.

Alguns estudos que fiz mostram que há uma continuidade entre práticas da vida cotidiana legitimadas pela população e o modo como elas estão dentro da administração pública. A corrupção talvez seja menos de um grupo e mais da acepção e modo de lidar que o brasileiro tem com o Estado.

CC: O STF autorizou prisões após condenação em 2ª instância e o Ministério Público Federal propôs as "10 Medidas Contra a Corrupção". Como o senhor enxerga essas ações?
MOB: Creio que o ponto central é que a lei é importante, mas não podemos esquecer que ela não funciona sozinha. O Judiciário é composto por pessoas e elas podem intervir – como vêm intervindo – no modo como essas leis são lidas e aplicadas.

As elites econômicas e políticas têm uma forte capacidade de lidar e de intervir no modo como a legislação vai ser interpretada. Elas participam da formulação dessas leis, o Congresso regula sobre ele mesmo, e os grandes interesses empresariais têm um poder forte de intervir na produção delas.

Esses grupos têm recursos econômicos que permitem contratar grandes juristas, e isso interfere em como essa legislação vai ser aplicada. A simples lei não resolve.

Justiça paralisa ações contra corrupção no fisco do governo Alckmin

Posted: 21 Mar 2016 01:00 PM PDT

A Justiça de São Paulo determinou a suspensão de todos os processos judiciais em andamento contra a máfia do ICMS no governo Geraldo Alckmin. O desembargador José Orestes de Souza Nery atendeu ao pedido da defesa de um dos investigados de que haveria dúvida de competência quanto a qual vara criminal deveria ser responsável pelo andamento dos autos.

Com isso, as ações ficam paradas por tempo indeterminado. Outra decisão do Judiciário paulista que também atrapalhou as investigações foi determinar a soltura de todos os dez acusados de envolvimento no esquema.

A prisão preventiva foi concedida em primeira instância, mas derrubada após um mês no TJ paulista. A decisão permitiu que as defesas dos investigados paralisassem o estudo de delações premiadas.

Não há mais expectativa de serem citados por delatores os nomes de políticos ligados ao governo do PSDB no esquema. Apenas um dos envolvidos fez delação, mas entregou apenas nomes intermediários dos desvios. 

A investigação do Gedec, órgão do MP paulista, identificou que fiscais e a cúpula da Secretaria da Fazenda estavam envolvidos num esquema de corrupção e extorsão. Os agentes cobravam propinas de grandes empresas para sustar dívidas tributárias. A investigação tem lastro com a Operação Yellow, que apurou sonegação de 2,7 bilhões de reais dos cofres paulistas.

A nova investigação aponta desvios de pelo menos outros 400 milhões de reais. Um policial que participou da investigação reclama da atuação do Judiciário paulista. "Apurações contra o governo paulista são enterradas no TJ de São Paulo."

O inquérito aponta para o envolvimento de deputados e secretários de governo. O dinheiro desviado seria usado para abastecer campanhas de partidos políticos. Uma das peças da investigação é o doleiro Alberto Youssef.

Apesar da extenuante rotina de inquirições em Curitiba, quase diárias, Youssef parece ter decidido contar apenas parte da história de suas negociatas.

Um dos enredos ainda obscuros é o esquema de propina que envolve personagens investigados no escândalo de desvios de ICMS. O doleiro afirmou apenas ter intermediado o pagamento a fiscais a pedido do lobista Júlio Camargo, o mesmo que diz ter repassado 5 milhões de dólares ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Camargo era dono de uma empresa responsável pela coordenação comercial da Prysmian Cabos e Sistemas do Brasil, que assumiu a divisão de cabos elétricos da Pirelli. 

Após ser alvo de achaque, a Prysmiam teve de desembolsar 16 milhões de reais para não ser autuada em multas que poderiam alcançar os 400 milhões por causa de supostas irregularidades na importação de cobre. Youssef foi quem operacionalizou pagamentos no exterior e em espécie aos fiscais.

Com o dinheiro desviado, os fiscais, intermediários de políticos, levavam vidas suntuosas com carros importados e mansões.

Com a decisão do TJ de suspender os processos, a possibilidade de se chegar até os líderes do esquema se esvaiu.

Impeachment, capital e trabalho

Posted: 21 Mar 2016 01:09 PM PDT

Daqui a alguns anos, quando o tempo tiver assentado as análises sobre o tsunami que varre o Brasil desde as jornadas de junho de 2013, a importância dos acontecimentos desta época turbulenta não residirá na suposta cruzada contra a corrupção ou na anedótica batalha entre coxinhas e petralhas.

Na verdade, o que está em curso é um realinhamento de forças no eterno e insolúvel conflito entre "capital e trabalho". O papo é cabeça e complexo, mas tem tudo a ver com assuntos atualíssimos, como a reforma da Previdência e a flexibilização das relações de trabalho.

É inegável que durante os governos petistas, sobretudo na era Lula, os trabalhadores tiveram um importante incremento de renda. Para além dos programas sociais, como o Bolsa Família, o principal vetor desse processo foi o aumento contínuo do salário mínimo. Com dinheiro no bolso, a classe trabalhadora dinamizou a economia com a explosão da demanda por geladeiras, televisores de plasma e automóveis zero quilômetro.

No ganha-ganha, venceram os trabalhadores que engrossaram a população "consumistamente" ativa e o empresariado nacional – que inflou vendas e turbinou margens de lucro. Entre 2003 e 2013, período em que o País também foi abençoado pelas vacas gordas no mercado internacional de commodities, o PIB cresceu em média 3,7%. Mas isso é passado.

De fato, não restam dúvidas de que a política econômica baseada na expansão desenfreada do consumo se esgotou. Os gargalos da infraestrutura somados ao baixo nível de investimento – do governo e da iniciativa privada, asfixiados pelas altas taxas de juro – impuseram duros limites à economia brasileira.

O curioso é que, durante os oito anos do mandato de Lula, o governo teve em média uma arrecadação 2,6% superior aos gastos – ou seja, fez o bendito superávit primário, mas as taxas de juro continuaram estratosféricas. Para agravar o quadro, o aumento contínuo da demanda, sem a contrapartida da oferta, provocou pressões inflacionárias.

Há algum tempo, como reação à crise econômica, renasceu com força uma agenda tipicamente liberal, defendida por economistas ligados sobretudo ao mercado financeiro que colonizam o noticiário econômico da imprensa. Como esperado, a receita do bolo prevê uma série de reformas estruturais que afetam tão somente o trabalho – e nunca o capital.

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A importância dos acontecimentos não residirá na cruzada contra a corrupção (Foto: Lula Marques/Agência PT)

Voltamos, então, ao primeiro parágrafo. A deposição do governo Dilma Rousseff pega carona no discurso do combate à corrupção com o objetivo de limpar de vez o terreno para uma repactuação das forças entre capital e trabalho. A reforma da Previdência e a flexibilização das relações trabalhistas – da qual o "libera geral" das terceirizações é apenas o prólogo – são, ao mesmo tempo, fins e meios.

Os economistas liberais não se cansam de repetir o mantra: os salários no Brasil crescem a uma velocidade superior ao da produtividade da economia. Ao dificultar a aposentadoria dos trabalhadores e ao aumentar a competição por empregos, rasgando a legislação trabalhista e inibindo aumentos salariais, a varinha mágica liberal pretende recolocar a economia nos trilhos, tolhendo as parcas conquistas que os trabalhadores obtiveram nos anos 2000.

Curiosamente, esse movimento já teve início no indefensável governo de Dilma Rousseff. Não à toa, uma das primeiras medidas do ajuste fiscal do seu ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy, foi limitar o acesso ao seguro-desemprego. E o atual titular da pasta, Nelson Barbosa, tem como meta de vida ou morte a reforma da Previdência.

Infelizmente, não se escuta uma palavra sequer sobre o fim da isenção de impostos sobre lucros e dividendos. Ou a respeito de tributos mais agressivos sobre grandes heranças e fortunas. Ou acerca de uma maior progressividade nas alíquotas do Imposto de Renda. Ou sobre a perversidade das altas taxas de juro. Quando se trata de tirar dos mais ricos para aliviar para os mais pobres, o silêncio é sepulcral.

O jovem Brecht encontra o “lixo” e o “luxo” de São Paulo

Posted: 21 Mar 2016 01:22 AM PDT

Após processos abertos ao público, em 2015, no qual Na Selva das Cidades foi encenada ao longo de cinco dias, a Mundana Cia. apresenta a versão condensada desse trabalho de 16 meses de pesquisas e ensaios.

Agora com três horas de duração, a peça de juventude de Bertolt Brecht ocupa nos próximos dois meses os espaços da antiga fábrica de geladeiras convertidos pela arquiteta e pensadora Lina Bo Bardi no Sesc Pompeia (1977).

Nome basilar do Teatro Oficina, que encerrou sua fase madura com a mesma peça de Brecht, em 1969, Lina também realizou cenários e figurinos daquela montagem e, já nos anos 1990, reformulou de maneira revolucionária o prédio do Oficina no Bexiga, recém-considerado por especialistas de todo o mundo como um do mais belos edifícios teatrais em funcionamento.

Na atual versão da Mundana para Brecht, a cenografia de Lina Bo constitui inspiração para a escultora Laura Vinci, que também assina o "desenho de arte" da montagem.

Após antropofagização d'O Idiota dostoievskiano e de um longo aprendizado ao lado do formidável diretor russo Adolf Shapiro (Tchekhov 4, Pais e Filhos), a cia. mergulhou como coletivo nas inúmeras possibilidades interpretativas do texto dramático, que foi traduzido novamente para o português pela especialista em dramaturgia alemã Christine Röhrig.

Ela o fez com atenção especial à personalidade do grupo, bem como acompanhamento íntimo de seus processos de trabalho, estendidos por todas as regiões da capital paulista. Nessa proposta, a cia. mergulhou nos aspectos oximoros e antitéticos que caracterizam a megalópole, de bordeis paupérrimos do bairro da Luz e do "lixo" dos baixios de viadutos degradados ao "luxo" do novo Teatro Santander, na av. Juscelino Kubitschek, a ser inaugurado em breve.

Na Selva das Cidades. Mundana Cia. de Teatro. Sesc Pompeia, em São Paulo, até 15 de maio

Na revivescência desse texto de um Brecht ainda bastante indomado, com traços expressionistas, a diretora Cibele Forjaz funcionou bem mais como elemento polarizador para tantos pesquisadores da linguagem teatral reunidos.

Ainda que sob o fio da tradução estabelecida por Röhrig, cada ator se converte em recriador de seu personagem, capaz de magnificar e luzir as caracterizações arquetípicas plasmadas pelo dramaturgo e de efetivar seu real diálogo com o público.

Para tanto, foi necessário o longo processo, ou laboratório, na vivência integral preconizada pelos teatrólogos Tadeusz Kantor e Jerzy Grotowski, entre outros. Assim, a Mundana projetou a crítica brechtiana do capitalismo contra o horizonte paulistano, carrossel frenético de migrantes espremidos e logo descartados e epítome de desigualdades perversas, a ecoar o núcleo dramático brechtiano.

Terá valido a pena a conjugação de tantas coordenadas de produção, com cerca de trinta nomes na ficha técnica, e o tempo tão extenso empregado, ainda que se tenha esbarrado em descontinuidade do patrocínio inicial, obtido via Lei de Fomento ao Teatro de SP (municipal).

Peça-Brecht
A cia. mergulhou nos aspectos oximoros e antitéticos que caracterizam a megalópole (Foto: Renato Mangolin)

De outro lado, tais acidentes de trajetória até mesmo se harmonizam com a "obra sempre em obras", como diz um poema do próprio Brecht musicado especialmente para a montagem. O resultado se equipara às dinâmicas criativas abraçadas pelo Teatro Oficina em sua mítica versão, intensa a ponto de marcar a própria dissolução do grupo tal como este se configurava antes de seu exílio político dos anos 1970.

Na montagem da Mundana, a contaminação das esferas do teatro e da vida é exemplarmente visualizada no elemento cenográfico, como o ringue de boxe idealizado por Vinci, que há uma década colabora com o grupo. O próprio Brecht integrara esse elemento nas montagens por ele dirigidas nos anos 1950 em Berlim, pois acreditava que o público desse esporte participava com certa autoridade do espetáculo da luta, atitude que esperava também do público teatral.

Assim, o duelo final entre Garga e Schlink, as duas faces da mesma moeda do Capital, ocorre nesse ringue misto de estrebaria e açougue, tão sugestivo de crua selvageria, como nas telas da última fase do pintor irlandês Francis Bacon. O público assiste à luta em pé ou agachado, como numa rinha de galos.

Dentre as muitas ousadias da cia. paulista para esta encenação, pede-se ao público ligar seus celulares, para conexão intranet que integrará a narrativa. Tal gênero de intercorrência contemporânea, que se utiliza de vídeos do artista mineiro Éder Santos, também projetados sobre atores e cenários, indicam atenção à dinâmica histórica. Estas são, no entanto, conjugadas sem arestas à decupagem do texto pela via de recursos épicos de encenação já consagrados no teatro moderno.

Entre celulares, vídeos, caminhadas pelo espaço do Sesc e entrega absoluta de atores de possibilidades para além da própria atuação, como Luah Guimarãez (senhora Garga etc.), Aury Porto (Schlink) e Lee Taylor (George Garga), somam-se recursos suficientes para varrer de vez as pechas de "obscuro" e "lacunar" apostas a esse jovem Brecht, aqui revelado como autêncico caleidoscópio fausto-goethiano da última centúria. Ante tal recuperação, pode-se antecipar o espanto da crítica europeia quando a montagem por lá aportar.

O povo de Aécio

Posted: 21 Mar 2016 01:22 AM PDT

O sistema político foi dormir menos sobressaltado, mas ainda preocupado, depois das manifestações do domingo 13. Nada de verdadeiramente novo aconteceu "nas ruas" e o fato significativo foi de que algumas nuvens no horizonte ficaram mais escuras. 

A mídia procurou amplificá-las, em manchetes de jornal e na cobertura intensiva na televisão. Chamou os acontecimentos de "maior ato da história", em risível exercício de negação da própria história. Maiores que alguns protestos na década de 1960, como a Passeata dos 100 Mil, no Rio de Janeiro? Maiores que as manifestações em favor das eleições diretas nos anos 1980?

Pretender que eventos tão distantes sejam comparáveis é forçação de barra. Em um Brasil com um terço da população atual e em plena ditadura, 100 mil cidadãos nas ruas para protestar significam muito mais do que foi visto agora na Praia de Copacabana. Os "comícios das Diretas" não foram simultâneos e os participantes tinham consciência do risco que corriam ao confrontar o regime militar. Como dizer que foram menores?  

Em relação às manifestações, tanto no dia 13 quanto ao longo de 2015, a questão relevante nunca foi de "quantos", mas de "quem". É exatamente o inverso das mobilizações durante a ditadura, nas quais a quantidade era atributo fundamental, a ponto de aquela "dos 100 mil" haver se tornado memorável pelo simples fato de atrair tanta gente.  

Embora as pesquisas a respeito das características dos manifestantes do domingo tenham sido feitas em poucas cidades, revelam um quadro sempre igual: quem foi às ruas não espelha nossa sociedade.  

Seria de se esperar que a principal diferença entre eles e aqueles que não aderiram às passeatas estivesse no grau de interesse e de envolvimento com a política: os motivados saíram de casa e os desmotivados ficaram (ou foram fazer outra coisa). Mas não é isso que as pesquisas mostraram.

Os manifestantes não representam a parcela politicamente mobilizada da sociedade, apenas um segmento dela. Não são "o Brasil que se opõe" a alguma coisa, mas uma parte que não expressa o todo, nem do ponto de vista socioeconômico nem em termos político-partidários. 

Aécio-Neves
Em São Paulo, 79% dos manifestantes votaram em Aécio (Foto: Lula Marques/Agência PT)

Em todas as cidades, as pesquisas apontaram que os participantes eram mais ricos, tinham mais educação formal e eram mais brancos que a média da população. Que a proporção de cidadãos mais velhos era maior, assim como a de empresários e profissionais liberais. 

O mais importante é, porém, o fato de os manifestantes não exprimirem a diversidade de opiniões existente na sociedade. Em São Paulo, 79% daqueles que participaram do ato votaram em Aécio Neves em 2014. Em Porto Alegre, 76%. Nas duas cidades, somente 3% dos entrevistados disseram ter votado em Dilma Rousseff. 

Não se trata apenas de ricos e brancos. Quem desfilou pelas ruas é fundamentalmente rico, branco e eleitor de Aécio Neves. É esse o perfil de quem atendeu às convocações dos partidos políticos, das lideranças e dos meios de comunicação claramente oposicionistas.

Ao se considerar o vasto investimento na organização das manifestações e o esforço da mídia, em especial do Sistema Globo, para engrossá-las, o acréscimo nos números, em relação ao início de 2015, foi modesto. Não conseguiram que crescessem como desejavam e foram incapazes de diversificar e ampliar o recrutamento de participantes, a fim de torná-los mais representativos.   

Além dessa mídia, que pôde perceber que seu poder é menor do que imaginava, quem deve estar preocupada é a oposição. Se em São Paulo quase 80% dos manifestantes eram eleitores do PSDB, como justificar as vaias recebidas por seus expoentes? Como explicar que o antigo eleitorado tucano prefira opções ainda mais à direita? Quem achava que mais lucraria ao acender a fogueira saiu chamuscado. 

Tanta coisa aconteceu de domingo para cá que as manifestações parecem longínquas. Mas é bom ter em mente o que foram efetivamente, para evitar a prevalência de versões falsificadas capazes de atrapalhar a interpretação do nosso momento tão delicado. O "povo brasileiro" não se manifestou, mas os eleitores de Aécio. Tinham todo o direito de fazê-lo, mas não são o País.